João Salaviza tem dois curtos filmes e uma grande Palma de Ouro

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Salaviza subiu ao pódio de Cannes

Cannes deu-lhe o prémio e o jovem realizador português agradeceu com uma dose de perspectiva. Quer fazer mais cinema, sim, está feliz, mas resiste ao deslumbramento. Actor, editor, estudante e futebolista eternamente adiado, João Salaviza traz uma Palma na bagagem.

Ontem, a Internet Movie Database (imdb.com) ainda não dava conta da Palma de João Salaviza. Aliás, até dizia que a sua popularidade (medida a partir do número de notícias e buzz da indústria num dado momento) estava a cair sete por cento. Na mesma base de dados, a curta "Arena" ainda aparecia sem qualquer prémio ou distinção associada - parece que Hollywood ainda não reparou no Maio mágico de Salaviza.

É que, no dia 2, ele venceu o Prémio para a Melhor Curta-Metragem Portuguesa do festival IndieLisboa e, no dia 24, recebeu a Palma de Ouro para a Curta-Metragem no Festival de Cannes. Mas, para o jovem realizador português, o primeiro a receber esta distinção no festival dos festivais de cinema, essa ausência no IMDB não contará muito. Não gosta de unanimidades e continua a relativizar o seu prémio francês, apesar de estar "extremamente contente". E explica, ao telefone, minutos antes de o seu avião partir de França e o trazer de volta a Portugal: "Tento relativizar porque o filme é anterior a tudo isto. Os prémios são coisas que nada têm a ver com os filmes. Representam a ideia de cinco pessoas que preferiram este filme em detrimento de outros".

Mais: relativiza porque sabe "que há muitas pessoas que vão ver o filme e que não vão gostar. E ainda bem, ainda bem que as coisas são discutidas e que não há unanimidades. Não houve unanimidade no júri, o que também é bom, gostei de saber isso". Quase no ar, mas com os pés na terra com a humildade que quem o conhece diz ser uma das suas maiores qualidades, João Salaviza ainda tem tempo para dizer que sim, se abriram algumas portas, que houve conversas com produtores, distribuidores e actores estrangeiros. "Contactos porreiros."

Uma Palma de Ouro para curta-metragem não é a mesma coisa que uma Palma de Ouro na competição de longas, mas, ainda assim, "vai fazer com que eu possa continuar a filmar". Algo que já queria antes dos prémios e antes de ter mostrado ao mundo o seu olhar sobre a exclusão num bairro social de Lisboa, com os seus actores (uns profissionais, outros amadores) perante a câmara como se numa coreografia entre preso encurralado e a violência t(r)ocada por miúdos. O presidente do júri de Cannes, John Boorman, acha que com Arena assistimos à "emergência de um novo talento cinematográfico". "Muitos festivais (Cannes, Veneza, Locarno) procuram o típico filme português", comenta Miguel Valverde, um dos directores do IndieLisboa e responsável pela competição de curtas. O que Arena traz é um misto de realismo e narrativa. "O que não é muito comum em Portugal - quando se filmam as franjas, está-se muito mais próximo do documentário do que da ficção", explica o programador.

Valverde também se recorda que, "numa das sessões do Indie, ele dizia que quer fazer um cinema marginal" sobre as facetas menos óbvias da realidade portuguesa e "em que politicamente possa afirmar-se". Agora, enquanto espera pela estreia em sala de Arena, João Salaviza tem outros pequenos filmes em estreia na televisão: os da série Fantasbloco, que editou para os tempos de antena do Bloco de Esquerda às eleições europeias e que vão passar na RTP2.

Cinéfilo audiovisual

Arena é, então, um sinal. Um sinal de que temos realizador, mas também um sinal de um realizador que não faz o cinema típico de Portugal. Um cinema com "vocação universal", como categoriza Miguel Valverde, que faz lembrar outras linguagens. Americanos, romenos, argentinos, comenta quem viu o filme e identificou essas marcas na sua (curta) cinematografia. Tudo parece confluir para uma curta de 15 minutos que deram a fama, ainda que doseada e sem direito a actualização do IMDB, a um filme de João Salaviza sobre um preso domiciliário e a sua pulseira electrónica, confinado à violência urbana com Lisboa muito ao fundo.

João Salaviza nasceu em Lisboa em 1984. Tem, portanto, 25 anos e a sua imagem a aceitar a Palma em Cannes é diferente daquela a que Portugal modestamente se habituou quando vê os seus nos tapetes vermelhos da Croisette. Setenta e cinco anos o separam de Manoel de Oliveira, o anterior laureado no Festival de Cannes (em 2008, por ocasião do seu centenário). Nos últimos dias, graças à ida a Cannes e aos elogios saídos do IndieLisboa, Portugal ficou a conhecê-lo melhor.

Quando era pequeno e sonhava ser grande, queria ser jogador de futebol (prestou provas no Sporting aos dez anos, sem grandes resultados, como disse ao Semanário Económico), jornalista ou escritor. Foi actor em dois telefilmes franceses, em Belle Époque, de Fernando Trueba, em Quando Troveja, de Manuel Mozos, em Coitado do Jorge, de Jorge Silva Melo, e em Querença, do seu pai José Edgar Feldman (a mãe é produtora de TV). E, em 2004, ainda na Escola Superior de Teatro e Cinema, realizou a primeira curta, Duas Pessoas, premiada em Vila do Conde. Cresceu com o cinema e o audiovisual em volta, também fez edição de imagem para TV e publicidade e foi assistente de montagem de Singularidades de Uma Rapariga Loira, de Manoel de Oliveira.

Valverde e Maria João Mayer, produtora de Arena na Filmes do Tejo, elogiam a pesquisa, o trabalho, as bases sobre as quais se erguem as duas curtas de João Salaviza. "Insatisfeito" e permanentemente em busca de melhor, diz Maria João Mayer. Um dos jovens realizadores que, opina Vilaverde, o faz pensar que "há uma cada vez maior profissionalização" daqueles que "têm tão poucas oportunidades para filmar que, quando têm meios para isso" (Arena teve apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual), demonstram ter feito o trabalho de casa, por sinal um "trabalho muito cuidado".

Sobre ele, dizem ainda que é um voraz consumidor do cinema que lhe interessa. "É frequentador da Cinemateca", comenta Maria João Mayer, mas é sobretudo "bastante curioso e faz opções" e adora discutir filmes. Miguel Valverde sabe que ele era espectador regular dos ciclos de cinema da associação cultural Zero em Comportamento no Cine-Estúdio 222, em Lisboa, e recorda a admiração pelo "entusiasmo" do cinema argentino que o levou a trocar o último ano no curso na Escola Superior de Teatro e Cinema por Buenos Aires. Outra admiração: pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, a cuja masterclass assistiu em Cannes.

Para o futuro, conversa de futebol: tem "uma grande margem de progressão", diz Miguel Valverde, mas prognósticos sobre a sua carreira promissora só depois de ter feito mais filmes. Há agora que fazer escolhas. "Como eu quero continuar a filmar em Portugal", diz João Salaviza, "ainda estou a tentar perceber que portas se abriram e se me interessam ou não".

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