Homenagem aos heróis

O segundo álbum de Dan Auerbach é formalmente irrepreensível, mas tem algo de exercício de estilo.

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Waiting on a Song é um álbum formalmente inatacável, mas também, no limite, uma reunião de exercícios de estilo ALYSSE GAFKJEN

Oito anos passaram desde a edição de Keep It Hid, o álbum de estreia a solo de Dan Auerbach. Entretanto, o vocalista dos Black Keys viu a sua banda transformar-se, sem perceber muito bem como aquilo lhe foi acontecer, numa espécie de guardiã do rock’n’roll para as massas, num estádio perto de si. Claro que os Black Keys, muito certos do que são e saudavelmente senhores do seu nariz, não se deixaram afectar por aquilo que Lonely boy lhes trouxe.

Dan Auerbach e Patrick Carney são exactamente os mesmos tipos que ensaiavam num estúdio decrépito em Akron, Ohio, sem saber onde a música os levaria. Mudou que Dan Auerbach, cultor da história rock’n’roll, suas derivações, seus heróis e seus métodos tradicionais, ganhou um estatuto que lhe permite alargar o seu raio de acção. Permitiu-lhe, por exemplo, ser produtor de Locked Down, o magnífico álbum que nos devolveu o melhor Dr. John, mas também o de Lana del Rey, outra cultora das estéticas clássicas. E permitiu-lhe agora, depois de fazer de Nashville a sua casa, tomar contacto com lendas reconhecidas e heróis na sombra e gravar este álbum que é Waiting a Song, o seu segundo a solo.

A seu lado, músicos como o guitarrista Duane Eddy, herói da guitarra na infância do rock’n’roll, ou músicos de estúdio como o teclista Bobby Wood e o baterista Gene Chrisman, membros da banda residente dos American Studios, em Memphis, onde gravaram Aretha Franklin, Elvis Presley ou Wilson Pickett, entre muitos outros. Dan Auerbach reuniu todo o talento disponível nos seus estúdios Easy Eye, em Nashville, e trabalhou à antiga. Ou seja, todos os músicos reunidos para comporem, gravarem e produzirem um álbum num curto período de tempo, qual linha de montagem irrepreensível dos estúdios e editoras de outrora.

Malibu Man

O resultado é irrepreensível na execução: Cherrybomb, com a guitarra de Duane Eddy a ecoar sobre o ritmo de western-voodoo (como se Lee Hazelwood se encontrasse com Dr. John), é nada menos que irresistível, tal como o é o country-rock  luminoso do tema título, êxito de Verão pronto a servir se os hits de Verão não se chamassem agora Despacito — e Shine on me poderia ter estar num best of de George Harrison ao lado de Got my mind set on you e os arranjo de metais de Malibu man, tal como os de cordas de Undertow, mostram que Auerbach conhece profundamente a soul e sua evolução desde os anos 1960 da Motown até à opulência Isaac Hayes da década seguinte.

No entanto, quando recordamos Keep it Hid, que poderíamos incluir no topo da lista dos melhores álbuns dos Black Keys, não se desse o caso de ser álbum a solo de Auerbach, percebemos que algo falha aqui. Waiting on a Song é um álbum formalmente inatacável, de imaculado um bom gosto e interpretação, mas também, no limite, uma reunião de exercícios de estilo. É uma colecção da(s) música(s) pela qual Auerbach nutre especial apreço. Falta-lhe a densidade emocional que sentíamos em Keep it Hid, esse sim, álbum de corpo inteiro.

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