História de um coração

Cuidar dos Vivos soçobra pela sua vontade “panorâmica” de filmar um conjunto (de personagens e de situações) sem abandonar nada nem ninguém.

Fotogaleria
Cuidar dos Vivos: um filme cheio de vinhetas
Fotogaleria
Cuidar dos Vivos: um filme cheio de vinhetas
Fotogaleria
Cuidar dos Vivos: um filme cheio de vinhetas

Cuidar dos Vivos, história de um transplante de coração, está a meio caminho entre o melodrama sentimental e a descrição neutra dos procedimentos hospitalares em situações destas. A sua estrutura sinuosa — sempre a encontrar, largar e reencontrar personagens — mostra um desejo de sofisticação formal mas também uma ideia poética relativamente simples de explicar, a de um universo em que todos estão ligados num encadeado vital, e que mesmo um morto (que, no fundo, é o protagonista) pode ser a garantia de uma vida alheia.

A boa intenção, ou pelo menos a intenção justa, não se perde, mas o filme soçobra precisamente pela sua vontade “panorâmica” de filmar um conjunto (de personagens e de situações) sem abandonar nada nem ninguém: o miúdo morto, a namorada do miúdo morto, os pais do miúdo morto (onde pontifica Emmanuelle Seigner no papel da mãe), os médicos e o pessoal hospitalar (onde se conta Tahar Rahim, que foi O Profeta do filme de Jacques Audiard), a mulher que vai receber o coração do miúdo (Anne Dorval, actriz canadiana que foi a Mommy do filme de Xavier Dolan), os filhos da mulher que vai receber o coração, etc. Cuidar dos Vivos quer estar com os vivos todos, envolvê-los todos no mesmo abraço, criar pequenas intrigas e histórias pessoais (a sonhadora enfermeira e os seus sms, por exemplo) sem deixar ninguém de fora. Mas por falta de tempo para abordar tanta coisa fica um filme cheio de vinhetas, muitas delas inconsequentes e distractivas, numa dispersão que acaba por ter um efeito contrário à percebida intenção: em vez de um “movimento”, apenas uma série de estilhaços narrativos unidos pelo artifício estrutural.

Não chega a ser desagradável, apenas frustrante. Tanto mais que aquilo que consegue de facto agarrar agarra com alguma força: em termos melodramáticos, a passagem dos pais do momento da estupefacção à aceitação (não ao luto, mas ao momento que o permite); em termos descritivos, a atmosfera do hospital, cheia de médicos e enfermeiros cansados a lidarem com as dificuldades materiais, ou mais tarde a viagem de avião para se ir recuperar o coração ao norte de França e trazê-lo para o transplante em Paris. Mas tudo isso são meros apontamentos que indiciam o que o filme poderia ser em mãos menos indecisas ou mais conscientes dos limites da sua ambição.

i-video
Sugerir correcção
Comentar