Hilda Krüger, actriz medíocre e espia alemã disposta a tudo

A actriz chegou a ser amante daquele que viria a ser Presidente do México, Miguel Alemán Valdés, e do milionário do petróleo J. Paul Getty – tudo para servir Hitler e o III Reich.

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Não fora a sua convivência com o poder nazi ao mais alto nível e Hilda Krüger teria sido, muito provavelmente, esquecida pela História. Era uma actriz medíocre que praticamente nada tinha em comum com a incomparável Marlene Dietrich, dizem os críticos de cinema. Por fidelidade a Hitler – e também pelo que a proximidade ao III Reich poderia fazer pela sua carreira e pela sua conta bancária –, deixou o seu marido judeu e aceitou trabalhar para os serviços secretos alemães (a Abwehr), aos quais passava informações recolhidas nos mais bem frequentados círculos sociais nos Estados Unidos e no México.

Este é o resumo do retrato que dela faz o jornalista e escritor Juan Alberto Cedillo na biografia da actriz que acaba de publicar (Hilda Krüger, Vida e Obra de una Espía en México, editorial Debate), volume em que, segundo a agência de notícias mexicana Quadratín, conta a sua história e defende que Krüger teve no México durante a Segunda Guerra Mundial um papel semelhante ao da mais lendária das espias em França no primeiro conflito mundial: “Hilda é uma espécie de Mata-Hari porque conseguiu segredos que eram acessíveis a poucos, como Miguel Alemán [Valdés].”

Miguel Alemán Valdés, político que viria a ser Presidente do México entre Dezembro de 1946 e Novembro de 1952, era à data o todo-poderoso ministro do Interior, lembra o diário espanhol El País num artigo em que dá destaque à nova biografia, e amante da actriz alemã. Era através dele e de outros funcionários estatais que Krüger acedia à informação privilegiada com que terá contribuído de forma decisiva para os esforços de guerra do Eixo, diz Cedillo, um dos autores que mais tem estudado o envolvimento do país na Segunda Guerra Mundial (é dele o livro Los Nazis en México, por exemplo).

Com recurso a essa informação, garante o investigador, Hilda Krüger mostrou que era possível criar um esquema para contrabandear o petróleo mexicano e outras mercadorias (como o mercúrio, essencial ao fabrico de bombas) através do Panamá, fazendo-o chegar à Alemanha – isto numa altura em os Estados Unidos pressionavam o governo mexicano para que não o vendesse a Berlim.

Para escrever a biografia, Cedillo fez muita pesquisa em arquivos e beneficiou da desclassificação de dezenas de documentos relativos à rede de espias nazis que trabalhavam no México naquele período e de que Krüger era um dos principais, se não mesmo o principal, pivô, explica o jornalista, para quem não há dúvidas de que Miguel Alemán Valdés era um apoiante do III Reich.

“O México tinha um papel pequeno mas estratégico porque era o nosso petróleo que fazia com que a frota aérea de Hitler continuasse a voar”, disse à agência Quadratín, explicando que se interessou por Krüger porque quis saber mais sobre o que aconteceu no país a seguir aos anos 1940.

De milionário em milionário

Loira, de olhos azuis, curvilínea, Hilda Krüger (1912-1991) era uma mulher bonita que não passou despercebida a Joseph Goebbels, o influente ministro da Propaganda de Hitler, que prontamente a incluiu na sua (longa) lista de amantes. Foi graças a Goebbels que a actriz entrou, nos anos 1930, em vários filmes produzidos pelo Reich, mas foi também por causa dele que se viu obrigada a deixar a Alemanha (Magda, a mulher de Goebbels, terá ficado pouco satisfeita ao saber da relação que Krüger mantinha com o marido).

Da Alemanha, Krüger foi para os Estados Unidos e, em particular, para Los Angeles. Esperava continuar aí a sua carreira no cinema. Não aconteceu, mas isso não a impediu de frequentar as festas em que a cidade californiana reunia os mais poderosos, de políticos a milionários como J. Paul Getty, o homem a quem chamavam "rei do petróleo", e que não tardou a deixar-se seduzir pela actriz. Pelo seu braço entrou nos círculos mais influentes frequentados pelas famílias dos grandes magnatas (os Hastings, os Rodhes, os Rockefeller), reportando à secreta alemã o que ia ouvindo em jantares e outras ocasiões sociais.

“Hilda converteu-se numa fonte de informação difícil de conseguir fora desses círculos selectos, embora por vezes também a obtivesse nos lugares tradicionais, como cabarés, confessionários e, mais raramente, na cama”, diz Juan Alberto Cedillo no seu livro.

Foi num desses jantares, escreve o El País, decantando algumas das páginas da biografia, que a actriz alemã ouviu William Rhodes Davis, homem de negócios que foi um forte apoiante dos nazis, dizer que desde 1938 comprava petróleo em grandes quantidades para enviar para a Alemanha e que nessa operação participavam também Getty e Rockefeller, através de subsidiárias. Em 1941, munida dessa informação, Krüger estava já no México, continuando a trabalhar para as secretas alemãs. E também aí J. Paul Getty teve a responsabilidade de a apresentar às elites.

A sua primeira conquista no país foi um antigo membro do governo com ligações à banca, Ramón Beteta, que lhe confessou, por exemplo, o fascínio que o então Presidente Ávila Camacho tinha por Hitler, o que tornava os negócios entre o México e o Reich mais fáceis, mesmo que não dispensassem os amigos e intermediários americanos. Dos braços de Beteta passou, então, para os de Alemán Valdés, o que lhe deu acesso à estrutura militar mexicana.

Com o ataque japonês à base americana de Pearl Harbour e a consequente entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, Washington exigiu ao Presidente mexicano que tomasse medidas contra os agentes pró-nazis que operavam no país, entre eles Krüger, que acabou por salvar-se da situação graças à intervenção do amante, Alemán Valdés, que criou condições para que desse continuidade à sua carreira de actriz e para que casasse com um playboy mexicano, Ignacio “Nacho” de la Torre. A união acabaria em divórcio: Krüger deixou-o para se juntar ao venezuelano Julio Lobo Olavarría, o “rei do açúcar” (mais um multimilionário numa lista de conquistas de que fazem parte o herdeiro do império cervejeiro Budweiser e, claro, o outro “rei”, o do petróleo, J. Paul Getty). Com Olavarría ficou – o empresário que era fascinado por Napoleão Bonaparte fascinava-a a ela.

Hilda Krüger, a mulher bonita que venerava Hitler, que tudo fez para ser uma estrela do cinema e que, mais tarde, entrou para a universidade para saber mais sobre a história e a cultura do México, morreu em 1991, na Baviera. Garante Juan Alberto Cedillo na nova biografia que se arrependeu de ter trabalhado para as secretas nazis. Se é verdade ou não nunca saberemos.

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