Há alternativas ao capitalismo, acredita Holly Herndon

O álbum Platform é um laboratório de música e ideias que desejam estimular novas formas de estar no mundo. Para ver ao vivo a 11 de Julho no evento Jardins Efémeros de Viseu, que começa já esta sexta-feira.

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Holly nasceu no Tennessee, viveu alguns anos em Berlim, e está agora em São Francisco, a doutorar-se em composição STAN MUSILEK

Entrar em territórios experimentais nem sempre é fácil. A americana Holly Herndon, 35 anos, a residir em São Francisco, que o diga. O seu primeiro álbum, Car (2011), respirava essa aspiração, mas era irregular. O segundo, Movement (2012), era mais focado.

Mas era um registo de transição para o novo Platform, o seu primeiro para a histórica editora 4AD, álbum fascinante que sem renunciar à electrónica retorcida, encontra novas matrizes sonoras, algures entre a pop electrónica e o recorte exploratório.

De alguma forma o seu posicionamento na conjuntura actual faz lembrar o de Laurie Anderson no contexto dos anos 1980, quando surgiu e foi ocupar uma terra de ninguém, nem vanguarda, nem pop, nem agitação artística, mas tudo isso ao mesmo tempo.

“A música, hoje, interessa-me a diferentes níveis”, explica Holly, a partir de Milão, onde se encontrava em digressão. “Por causa do trabalho com o som, mas também porque me parece que é uma das formas mais interessantes de criar comunidade hoje em dia e de suscitar contactos imprevistos e, nesse sentido, é também uma forma de intervir politicamente.”

O seu novo álbum, que irá apresentar ao vivo a 11 de Julho no evento Jardins Efémeros em Viseu, é tudo isso. É desafiante sonoramente, misto de filtros vocais sobre ritmos electrónicos inesperados, que vão compondo paisagens tão internas quanto fantasmagóricas, com baixos profundos, sons opressivos ou samples mundanos, numa refrescante linguagem digitalizada.

É também uma tentativa de criar comunidade. Como os suecos The Knife do seu último álbum, Shaking The Habitual, também a americana convidou não-músicos para participar na operação, activistas políticos, filósofos ou designers.

“Olhei para este disco como uma oportunidade para uma série de pessoas comunicarem e partilharem ideias, algo que necessitamos neste momento de desorientação. Não me agrada a narrativa na música e nas artes em geral, à volta do ícone, o génio que tem todas as ideias e deve ser reverenciado. Quero descentralizar essa figura e propor a ideia de criação colectiva, a comunidade, atribuindo o crédito a todas as pessoas que nos inspiram e são tantas.” 

Mas a ideia de comunidade é-lhe simpática a partir de motivações políticas também. “Vivemos num tempo em que é visível que estamos a atravessar problemas sistémicos, com vidas precárias por todo o lado, mas a solução não é o cinismo, nem a depressão, é juntar esforços e vermos em conjunto quais as alternativas.”

E na sua visão, essas alternativas progressistas já estão a ser forjadas, em comunidades online e offline, dinamizando-se através da partilha de conhecimento, não receando juntar noções políticas que parecem não encaixar ideologicamente. Ou seja, experimentando novas formas de estar em colectividade.

“As visões políticas clássicas nitidamente não estão a conseguir encontrar respostas para o mundo e é preciso ir mais além. Há alternativas ao capitalismo e existem muitas pessoas a moldá-las. É preciso dar-lhes voz. Criaram a sua maneira de operar e é preciso alargá-la. A música sempre foi um bom farol, tendo esse efeito de juntar diferentes pessoas num espaço, como se conseguisse criar o seu próprio lugar de felicidade.”

O design do empenhamento
A inspiração para criar um projecto mais atento às dinâmicas políticas e sociais do nosso tempo proveio curiosamente do design. “A partir de determinada altura comecei a interrogar-me sobre o papel da música na cultura actual, nomeadamente sobre como torná-la mais empenhada socialmente. Foi na altura em que eu e o meu companheiro, Mat Dryhurst, começámos a trabalhar com o designer holandês Metahaven, que estava a fazer algo de semelhante com a prática do design, implicando o seu conhecimento de forma politica. O nosso modelo foi esse.”

Outro assunto que lhe suscita atenção e que está inscrito na sua música prende-se com a utilização das ferramentas tecnológicas – a forma como o fazemos e como elas nos afectam. No geral tem uma visão optimista, não partilhando da ideia de que a tecnologia distancia. “O meu computador intermedeia parte da minha vida, com o skype, os emails, as relações interpessoais. Podemos conectar-nos de forma intensa, mas sim é preciso não esquecer que o mundo tecnológico também possui efeitos perversos, como o estarmos a criar uma sociedade cada vez mais vigilante.”

Existe uma componente conceptual em Platform. Mas não é um disco fleumático. Há canções íntimas sobre relações que acabam à volta do Skype. Há gravações involuntárias da intimidade. Há a vida tal como ela é hoje, com a nossa presença online e offline a sobrepor-se horizontalmente, embora não se permutando. “É fundamental conhecer as pessoas presencialmente”, afirma. 

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Ela nasceu no Tennessee, viveu alguns anos em Berlim, e está agora em São Francisco, a doutorar-se em composição na Stanford University Center for Computer Research. Não espanta que reflicta tanto sobre a sua acção. “A música é uma indústria, mas também faço música (para instalações, por exemplo) que não é empacotada para ser vendida em nenhum formato e gosto disso. É possível ir encontrando alternativas.”

Uma das áreas que mais a preocupa é como expor a música ao vivo, ou, nas suas palavras, “como gerar comunicação.” Ao longo da presente digressão tem contado com a colaboração visual do seu companheiro, para além de participações ocasionais de teóricos ou activistas. E o público também é chamado a participar nas suas performances.

“A música tem essa faculdade de reunir publicamente as pessoas para elas sentirem coisas em conjunto e é isso que tentamos nas performances: comunicar com a audiência, conectarmo-nos, criando experiências comunitárias.”

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