Vamos colocar este Sequeira no lugar certo

Esta pintura já tem um lugar à sua espera

Se quisermos extrapolar a partir do perfil de Domingos Sequeira – a partir daquela parte que o apresenta como um homem pragmático, muito ciente do seu valor e dos seus negócios – poderemos dizer que é bem provável que o artista ficasse contente com uma campanha de angariação de fundos feita a pensar na compra de uma das suas pinturas para um museu nacional. Ainda por cima porque não se trata de uma pintura qualquer.

Adoração dos Magos (1828) faz parte da chamada “série Palmela”, um conjunto de quatro obras inspiradas na vida de Cristo a que os historiadores de arte habitualmente se referem como o “testamento artístico” deste que é um dos mais importantes pintores portugueses do século XIX. “Testamento” porque nela Sequeira concentra tudo o que aprendeu e tudo o que nele é desejo de inovação.

Nesta pintura que agora está prestes a integrar a colecção do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) está representada a sagrada família, sob uma luz quente e difusa que atrai atenções. No centro da composição está o Menino ao colo de Maria, sua mãe, acompanhada por São José, recebendo a homenagem dos três reis magos, prostrados a seus pés. Diz a tradição que vieram de longe para trazer a Jesus três presentes carregados de simbolismo: ouro, incenso e mirra. À sua volta junta-se uma multidão que inclui homens, mulheres e crianças, alguns ricamente trajados, com tecidos e turbantes a evocarem o Oriente. Há também animais – camelos, cavalos, cães, ovelhas e até um elefante com um palanque – e uma ruína.

Editorial: Uma campanha que transformou o país

A obra encaixa perfeitamente no discurso expositivo do MNAA, defendem os historiadores que o PÚBLICO ouviu ao longo destes seis meses de campanha, tornando-o mais coerente. E porquê? Sendo Sequeira o artista mais representado da colecção do museu – o acervo inclui 45 pinturas, embora 23 sejam esboços mais ou menos acabados, e 760 desenhos, mais de metade dos que neste momento lhe são atribuídos (1417), alguns deles estudos preparatórios para a “série Palmela” – faltava-lhe uma grande pintura da sua fase final, a dos últimos anos em Roma, marcados por uma intensa experimentação, com o artista atento ao debate da época, que procurava novos caminhos para a pintura, mas sem negar a tradição em que se formara. O neoclassicismo chegava, então, ao fim, enquanto o romantismo dava os primeiros passos.

“Esta Adoração […] tem uma luz mística, intimista, e uma paleta quente. Faz lembrar Rembrandt [pintor holandês do século XVII]”, mas não se resume a uma evocação da história na pintura, disse ao PÚBLICO no lançamento da campanha Alexandra Markl, conservadora de desenho de Arte Antiga e autora de uma tese de doutoramento sobre Sequeira. “Ela é um epílogo natural para a história da pintura antiga portuguesa que começamos a contar um pouco antes dos Painéis de S. Vicente. E porquê? Porque ela vem do passado mas está à procura de algo que é inteiramente novo.”

Trabalho interactivo: Quem é quem nesta Adoração

A “série Palmela”, executada entre 1827 e o começo da década de 1830, inclui as telas (todas com 100X140cm) Adoração, Descida da Cruz, Ascensão e Juízo Final. Este último óleo ficou inacabado porque Sequeira adoeceu, ficando física e mentalmente incapaz de pintar. Em 1833 o artista já não trabalhava, vindo a morrer quatro anos mais tarde. Em 1845, a filha de Sequeira, Mariana Benedita, vendeu este conjunto de quatro pinturas a D. Pedro de Sousa Holstein, primeiro duque de Palmela, a cujos descendentes pertence ainda. O facto de ter feito parte da colecção de uma família de mecenas como os Palmela – absolutamente singular no contexto português – também lhe confere importância.

 “Extraordinária” e “excepcional” são adjectivos a que os historiadores recorrem para se referir a esta Adoração, sublinhando o lugar que a série que integra ocupa na carreira deste artista que fez a sua formação em Portugal e em Itália e que resolveu trocar o país que julgava incapaz de valorizar o seu talento como merecia pelo exílio, em 1823, fixando-se primeiro em Paris, onde o seu trabalho chegou a ser notado, e a partir de Setembro de 1826 em Roma, que considerava a sua cidade.

Artista perfeccionista, liberal e católico convicto, homem prático quando se tratava de administrar carreira e negócios, Domingos Sequeira haveria de gostar de ver a sua Adoração dos Magos ocupar o lugar que a equipa de Arte Antiga já lhe tinha reservado nas renovadas galerias de pintura e escultura portuguesas, que serão inauguradas no princípio de Julho. Vai estar entre as obras que fecham o percurso.

A luz é a verdadeira protagonista da Adoração dos Magos

 

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