Entraram oito músicos numa escola e agora vamos ouvir o que de lá saiu

Resultado das residências artísticas do West Way Lab, em Guimarães, são apresentadas esta quinta e sexta-feira. Há ainda concertos e uma conferência com especialistas do mercado da música durante o fim-de-semana.

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A cantora Dede e Sérgio Silva Martin Henrik
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O Centro de Criatividade de Candoso Martin Henrik
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O húngaro Ivan Vitáris e o português Nelson Graf Reis Martin Henrik
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Sérgio Silva Martin Henrik
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Tine, um esloveno radicado em Amesterdão, e Pedro Lucas (sentado) Martin Henrik
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Martin Henrik
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Pedro Lucas e Tine, um esloveno radicado em Amesterdão Martin Henrik

Sentada em frente ao piano eléctrico, Dede vai trauteando o esboço de uma canção. Está ainda longe de estar terminada, mas a cantora britânica sabe exactamente sobre o que quer escrever. Na noite da véspera viu um filme de terror e foi atacada por insónias: “Quase não consegui dormir, estou muito cansada.” Será sobre isto a música em que está a trabalhar com Sérgio Silva numa das salas do Centro de Criatividade de Candoso, em Guimarães. É nesta antiga escola primária que oito artistas de vários pontos da Europa têm estado em residência, integrados no festival West Way Lab. Esta noite de quinta-feira, começam a mostrar aquilo que ali criaram ao longo da última semana.

Dede e Sérgio Silva não se conheciam antes de ali chegarem, mas encontraram um terreno comum a partir do qual puderam começar a escrever música. “Acho que já todos sofremos de insónias, portanto, falarmos sobre isto é algo com que as pessoas vão poder relacionar-se”, acredita o músico português. Sérgio, mais conhecido como "Seru", é produtor e multi-instrumentista da dupla Serushiô, um projecto nacional que navega entre o rock e os blues. Já a colega de residência está mais acostumada ao pop, com influências do soul na forma como explora a voz.

Em termos musicais não tinham um território óbvio que pudessem explorar conjuntamente. Além da noite mal dormida, os dois músicos rapidamente perceberam que têm ambos o mesmo gosto por escrever as letras das próprias canções, o que facilitou a aproximação. É isso que o West Way Lab pede às quatro parelhas de músicos que reuniu em Guimarães: encontrem uma forma de trabalhar em conjunto, para criar música nova.

“De repente, metem-te num quarto com uma pessoa que não conheces e dizem-te que tens de apresentar um trabalho”, diz, descontraído, Pedro Lucas. “As coisas podem correr muito bem ou muito mal”, acrescenta o músico ligado aos projectos Medeiros/Lucas e O Experimentar. Está noutra das salas do Centro de Criatividade de Candoso a trabalhar com Tine, um esloveno radicado em Amesterdão que lidera o projecto de música eletrónica Bowrain. Entre a parafernália de dispositivos eletrónicos, têm-se entendido. O seu método de trabalho é, porém, bem diferente do de Seru e Dede, seguindo mais o improviso e tentando trabalhar cada dia num tema diferente, partindo de uma frase musical inicial que um dos seus computadores pode ficar a repetir minutos a fio.

Processo, produto e pensamento

Das quatro salas de aula da antiga escola – que em 2012 Guimarães transformou num centro de residências artísticas que tem sido usado sobretudo por companhias de teatro e dança – chegam sons completamente diferentes. Rolando Babo, vocalista e baixista dos The Lemon Lovers, e Rui Souza, teclista e colaborador de uma série de projectos, como a banda rock Paraguaii, o trio El Rupe ou o coro comunitário Outra Voz, trabalham mais tarde do que os restantes colegas e exploram num território indie rock. São a única dupla exclusivamente portuguesa.

No piso de baixo, há uma parelha vinda de um rock mais directo, que foi a última a começar a residência artística. O húngaro Ivan Vitáris é o líder da banda Ivan and de the Parazol (um fenómeno no seu país, com passagens por festivais internacionais como o South by Southwest, nos EUA, ou o Eurosonic, na Holanda) e tinha chegado havia poucas horas a Guimarães. Ainda não tinha percebido muito bem ao que vinha. Quando encontrou o director do festival, Rui Torrinha, a sua preocupação era perceber como seria capaz de fazer um álbum em apenas uma semana.

Torrinha descansou-o, dizendo-lhe algo que, em seguida, repetiu ao PÚBLICO: “A proposta não é pôr-lhes qualquer limitação. Isto é uma semana de libertação, para se conhecerem mutuamente e, no final, há-de surgir alguma coisa.” Não há assim nenhuma obrigação de que o produto das residências artísticas seja um álbum completo. As duplas de músicos têm apenas que se apresentar ao vivo, no final da semana de trabalho, para darem conta do resultado do processo de trabalho.

A informação descansou Ivan, que pôde sentar-se na sala de estar, com um copo de vinho na mão, a conhecer Nelson Graf Reis, o homem por trás dos We Bless This Mess, com quem partilhou a residência. São de pontos distantes da Europa, mas ao fim de poucas horas juntos já perceberam que têm no rock um território comum. “É muito bonito poderes ir a qualquer ponto do mundo e, quando conheces músicos, podes falar com eles, porque têm alguma coisa em comum”, expõe Ivan. “Estou muito entusiasmado por fazer música com pessoas que não conheço”, acrescenta Nelson.

Quando os dois músicos falaram com o PÚBLICO, ainda não tinham começado a compor. Mas na sexta-feira à noite vão apresentar o resultado da colaboração, juntamente com Dede e Sérgio Silva. Os showcases de apresentação dos resultados das residências artísticas começam, porém, esta quinta-feira, com as outras duas duplas envolvidas no West Way Lab. A programação do festival – que vai na sua terceira edição – assenta em três pilares: processo, produto e pensamento. As residências no Centro de Criatividade de Candoso são, por isso, apenas uma parte do evento.

Durante este fim-de-semana, o West Way Lab também assume uma componente mais próxima do que habitualmente se associa a um festival de música, com vários concertos a ocuparem os diferentes palcos do CCVF. Essa parte da programação do evento arranca também esta quinta-feira com Ivan and the Parazol, a banda do húngaro Ivan Vitáris, que actua depois dos showcases. No dia seguinte, é a vez da cantora pop grega Sarah P. e dos britânicos The Membranes. A banda que estive ligada à cena post-punk de Manchester nos anos 1980, e que regressou ao activo em 2008, apresenta o resultado de uma colaboração com o BJazz, o coro da escola de jazz da associação local Convívio.

Sábado é o dia mais movimentado do festival, com concertos a partir das 17h00. As propostas do dia começam com três bandas finalistas (Suzie Stapleton, Sleepwalker's Station e Fortnight in Florida) de um concurso promovido pelo festival em parceria com a plataforma internacional Gimit, uma espécie de rede social para músicos. À noite, chega a vez dos nomes mais consagrados do evento. No centro cultural vimaranense tocam os portugueses Filho da Mãe e PAUS e os holandeses My baby. O West Way Lab encerra com a actuação do DJ e produtor nacional Rui Maia, em formato live act.

O terceiro pilar do evento é o pensamento e assume a forma de uma conferência de três dias, a PRO, que também começa esta quinta-feira, dedicada a profissionais, em que participarão músicos, agentes, editoras discográficas e especialistas em várias áreas, como os direitos de autor no mundo digital ou o streaming, por exemplo. “Queremos também criar forma de os músicos se aproximarem de ferramentas que são fundamentais para gerirem as suas carreiras”, explica o director do West Way Lab, Rui Torrinha.

Esta conferência arranca esta quinta-feira com um speed meeting entre managers e prolonga-se até sábado com vários painéis dedicados, por exemplo, à apresentação de festivais, à edição musical e aos direitos autorais, com diversos convidados, entre os quais os Key not Speakers Charles Caldas, CEO da agência de direitos digitais para editoras independentes Merlin, ou a presidente executiva da Associação Europeia de Companhias Independentes de Música Impala, que está a celebrar o seu 15.º aniversário.

A ideia da organização é que, ao trazer a Portugal convidados ligados à indústria musical europeia, o West Way Lab sirva também para “criar um corredor em direcção ao centro da Europa” que os músicos nacionais possam percorrer para facilitarem a sua internacionalização. É neste contexto que nesta tarde de quinta-feira há um workshop da rede WHY Portugal, que está a preparar a próxima edição do festival holandês Eurosonic, onde Portugal será o país em destaque, de modo a mostrar aos músicos o potencial de uma eventual participação num evento que, tal como o festival de Guimarães, pertence à rede European Talent Exchange Program.

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