Em terra de guitarras, quem tem sax é rei

Última noite do Super Bock Super Rock foi palco para a festa de Fatboy Slim, o Bowie de Seu Jorge, a ansiedade dos Deftones e três belos concertos em que rock e jazz copularam alegremente.

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Miguel Manso
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Se a primeira noite desta edição do Super Bock Super Rock (SBSR) foi atravessada por um distinto travo funk-rock no palco principal, com a New Power Generation órfã de Prince e os Red Hot Chili Peppers a reclamarem essa matriz, a segunda adoptou a forma do hip-hop num reconhecimento justo do espaço crescente que o género (nas suas várias declinações) ocupa hoje nas preferências do público. Sábado, dia de despedida da 23.ª edição de um festival que no seu ano de arranque tinha como cabeças de cartaz The Cure, Jesus and Mary Chain, GNR e Faith No More, o programa do palco principal parecia responder a um pot-pourri sem fio condutor possível: a pop anódina dos Foster the People, o nu-metal dos sobreviventes Deftones e a electrónica dançável de Fatboy Slim.

Haveria, no entanto, um fio condutor a emergir dos palcos secundários do SBSR, em três momentos que terão proporcionado talvez as melhores actuações do dia, três exemplos de uma cópula feliz entre as linguagens do rock e do jazz. Desde logo, com a primeira actuação da jornada, a cargo de Bruno Pernadas. O sol batia ainda quente junto à pala de Siza Vieira para o Pavilhão de Portugal quando Pernadas começou a comandar a sua trupe de nove músicos em canções espaciais, filiadas em Sun Ra ou em Hermeto Pascoal, composições de um óbvio apetite melódico pop mas cujos arranjos seguem uma cartilha jazzística.

É uma delícia ver e ouvir quanta música Pernadas enxerta em cada canção, de ritmos afrobeat a ambientes surripiados a filmes de espionagem, harmonias vocais beatlenianas ou descidas à terra deste carrossel de constante mudança de direcção com ecos de Beach Boys e Flaming Lips. Mas, acima de tudo, ouve-se um precioso grupo que junta gente do rock a malta oriunda do jazz, com exímia secção de sopros (excelentes Diogo Duque e João Capinha) a nadar como peixe nas águas pop.

Mais tarde, os Taxiwars de Tom Barman, vocalista dos dEUS, pareceram finalmente a banda que faz jus ao nome do cantor belga. Saxofone, contrabaixo e bateria com o jazz no sangue mas obedientes a um pulsar rock, a lembrar qualquer coisa do que faziam os Morphine, mas até mais do que fazem hoje os Melt Yourself Down ou os Polar Bear, chegando até em Bridges a ambientes patenteados por Nick Cave. Barman parece entregue a uma segunda juventude, como se pretendesse convencer-nos de que as guitarras sempre foram um empecilho e que finalmente cumpriu o sonho de trocar o rock por uma música mais velha.

Pouco depois, terminava no palco SBSR a invasão dos saxofones (neste festival que carrega o rock no nome) com o power trio Black Bombaim, fiel à sua filiação stoner rock e psicadélica, mais uma vez na companhia do saxofonista Pedro Sousa (eles que tocam regularmente também com Peter Brötzmann e Rodrigo Amado). E aquilo que fazem o tempo todo é música incandescente, um comboio de pequenas parcelas hipnotizantes, de música sempre a sugerir a vertigem e a não se limitar, como tantas vezes acontece nos festivais, a ser um mero território de confirmação. Ao pé disto, e apesar das diferenças óbvias na orçamentação do espectáculo, tudo o resto durante a noite apareceu razoavelmente conservador.

A festa

Comparando novamente com o dia de abertura, em que a turba rumou toda para o Meo Arena numa clara declaração de que estava ali para se entregar aos Red Hot Chili Peppers e a mais ninguém, o duelo entre os cabeças de cartaz de sábado não deixou nenhum palco mal servido. Ao mesmo tempo que os Deftones tiveram meia Meo Arena em delírio, Seu Jorge estava rodeado da sua multidão particular debaixo da pala do Pavilhão de Portugal. Com propostas que não podiam estar mais afastadas. O músico brasileiro, sozinho com o seu violão, foi desfiando as suas versões e adaptações para português do património de David Bowie, transformando canções habitadas por personagens estelares de um rock’n’roll cósmico em canções intimistas perfumadas de samba e bossa nova, e orbitando em torno do amor.

Pelo meio, Seu Jorge ia partilhando histórias do set de Um Peixe Fora de Água, de Wes Anderson (que lhe encomendou as versões de Bowie), contando como a sua versão de Lady stardust nasceu do fascínio por Cate Blanchett no dia em que a conheceu nas rodagens, ou de como a bossa Rebel rebel surgiu no momento de pânico em que o realizador lhe pediu para tocar para a equipa e ele só ainda tinha concluído três ou quatro das 14 canções que deveria apresentar. A multidão não esconderia a sua devoção ao homem das Músicas para Churrasco, num palco onde horas antes o seu conterrâneo Silva abocanharia também reportório alheio. Mas Silva, na verdade, pouco parou no seu álbum Silva Canta Marisa, em que se coloca ao serviço das canções de Marisa Monte. Houve lugar para Ainda lembro e Infinito particular com o tom soul que atira para cima das canções dela, mas foi sobretudo pelas suas criações de uma pop cheia de candura e de pouca exuberância que se fez o concerto.

Noite dentro, os californianos Deftones arrancaram naquele registo de guitarras a cuspir riffs ouvidos aos Sepultura e aos Pantera encimados por um Chino Moreno diagnosticável com ansiedade juvenil, dividido entre debitar letra em modo quase rap e guinchar para que todos percebam que o dia não lhe deve estar a correr bem. Mas até estava e o público recebia de braços abertos os temas desses Deftones da época de Around the Fur (o Meo Arena começou por ouvir Headup e My own Summer (shove it), que ajudaram a colocar o grupo na proa de um nu-metal seduzido pelo choque entre rock pesado e hip-hop plasmado na banda sonora de Judgment Night e pelos discos dos Faith No More, que soam a qualquer coisa entre a urgência e a histeria. Felizmente, em seguida houve temas como Swerve city e Digital bath, em que os Deftones por vezes soam a uma bem mais simpática versão extremada dos Afghan Whigs, antes de Moreno avançar para o seu banho de multidão durante Knife prty com o público a mostrar que estava ali para matar saudades destes sobreviventes do nu-metal (que, em palco, recorrem a uma peculiar ventilação destinada a manter as longas melenas de guitarrista e baterista a esvoaçar o tempo todo) e velhos amigos dos anos 90. O álbum novo, Gore, quase não chegou a ser desemalado.

Fatboy Slim usou todos os truques já bastamente testados para ter o Meo Arena na mão e em modo dança. Sem dar um segundo de descanso, depois de carregar no play de uma actuação criada numa minuciosa relação entre a música e as imagens projectadas atrás de si foi pontuando a actuação (às vezes apenas enquanto sugestão) com os obrigatórios Praise you, The Rockafeller skank (mais conhecido por “funk soul brother”) e Right here, right now, a par de inteligentes citações de Blitzkrieg bop (Hey ho, let’s go!), dos Ramones, ou de Radio gaga, dos Queen, que funcionavam como bálsamo de entusiasmo para o público. Sem mostrar nada de particularmente novo na sua vida e na dos outros, Fatboy Slim soube fazer a festa quando era isso que se lhe pedia.

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