Eles fazem a viagem pela rua para nos falar da vida

Dez jovens que se abeiravam da exclusão social, quatro artistas que se aproximaram para os incluir naquilo que faziam. Nestas ruas a arte está disponível para todos, dentro e fora de palco.

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NUNO FERREIRA SANTOS
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Os holofotes estão presos no cimo de uns escadotes, que rodopiam numa rua feita palco. A luz à procura dos actores, os actores à procura da luz. É uma viagem.

Se isto fosse um teatro, chamaríamos assistentes de palco aos jovens que mudam os escadotes de sítio para sítio, como numa dança. Mas não estamos num teatro. Estamos na rua e aqui a arte tem um pouco de tudo. Tem dança, tem teatro, tem música. No palco que não é um palco, estão dois bailarinos e dois actores da Companhia Radar 360º e dez jovens seleccionados pelo projecto de integração social Odisseia (financiado pelo Partis, o programa artístico de inclusão social da Fundação Calouste Gulbenkian). São jovens de seis dos 15 municípios da associação Artemrede, que trabalha para pôr a cultura ao serviço do desenvolvimento territorial.

Este é o último dos ensaios antes da estreia, que aconteceu na sexta-feira passada, no bairro da Outurela/Portela, em Oeiras. É noite quando o grupo sai para ensaiar e é sempre noite de cada vez que o Histórias em Viagem se apresenta. O espectáculo está sexta e sábado na Cidade do Sol, no Barreiro. Segue depois para Santarém (26 e 27 de Maio), Moita (9 e 10 Junho), Sesimbra (16 e 17 Junho) e Almada (30 de Junho e 1 de Julho). Sempre às 22h.

O espectáculo propriamente dito começou a ser criado três semanas antes da estreia. Os jovens, com idades entre os 16 e os 26 anos, vieram aos pares dos seis concelhos onde vão actuar. Não se conheciam e corriam o risco de ter muito pouco em comum. Sabiam apenas que os outros, como eles próprios, enfrentavam “situações de vulnerabilidade social”. Alguns estão institucionalizados, outros vivem em bairros sociais. A viagem deste espectáculo é pelas histórias desses lugares onde cresceram e vivem as pessoas deste palco.

Nas últimas três semanas, estiveram "completamente imbuídos" na residência artística em que se transformou este projecto, conta Marta Martins, directora executiva da Artemrede. Quando a começaram não havia tema, nem título, nem qualquer fala. Só havia as histórias deles. "São histórias em viagem, porque são as histórias dos bairros, das suas comunidades e famílias e daquilo que foram aprendendo neste processo de conhecimento mútuo".

Aos olhos de Marta Martins, “são um grupo unido, cúmplice”, que descobriu nas suas histórias a narrativa para um espectáculo. O projecto tem impacto, garante: “As relações de cumplicidade, a autoconfiança que eles têm e que não tinham no ano passado”. Se este impacto é duradouro é ainda uma questão em aberto: "Obviamente que há muito na vida destes jovens que o projecto não conseguirá resolver." E nem é esse o objectivo, acrescenta Marta.

O objectivo é "dar-lhes a oportunidade de participar em processos que são enriquecedores ao nível pessoal e profissional". Há entre eles estudantes de artes que querem continuar na área, e outros que querem explorar as competências que acabaram de descobrir. Ao mesmo tempo, enriquecem o currículo com formação certificada.

Gastar os olhos a ler

O que mais o incomodava não era não poder ir à visita de estudo – “Na instituição há tantos miúdos que não podiam andar todos a pedir para ir às visitas, não é?”. O problema eram os olhares dos colegas, naquela sala de aula, quando souberam. “Como arranjava roupa? Como conseguia viver assim, sem pais nem nada?”. Era aquele olhar de pena que lhe lançavam: parecia mesmo azul numa sala amarela. Foi por isso que nunca parou de provar “que era mais do que um coitadinho”.

São histórias como esta que colocam lado a lado, olhos nos olhos, os actores e o público que ouve a vida ser-lhe narrada, em falas que despejam aos seus pés a realidade. Até parece pequeno o descampado onde a cena se passa. As histórias são todas reais, mais ou menos sofridas, mais ou menos engraçadas. Quase sempre sobre a infância. Não há como fugir-lhe.

Então o holofote vira-se para o outro lado e o público também. É uma nova história. É a história dela, que nasceu em 1987, em Bissau, e foi trabalhar para um cabeleireiro para pagar os óculos de que precisava. Gastara os olhos a ler debaixo dos lençóis e a inventar histórias. Eram sete em casa, órfãos.

Apaga-se a luz à esquerda para se acender atrás. É a história dele, que ouvia os bombardeamentos da guerra civil que acabava de começar na Guiné-Bissau. Ouvia-os perto. Tão perto que no dia seguinte saiu de casa. Uma mão na mala, outra na irmã mais nova.

Em todo o espectáculo, a luz segue os actores e o público segue a luz. Atrás ou à frente deles vem sempre uma “máquina de sons”, à qual estão ligados os microfones, as colunas e o projector que trazem os sons e as imagens para cena. O espectáculo é quase palpável: está na rua, nas paredes, no ar, cheio de todos os sons que saem da máquina que os carrega.

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