Don Giovanni num mundo virtual

As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro é a nova produção do Quarteto Contratempus. Uma ópera cómica sobre um mundo virtual onde há pouco sol.

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Paulo Pimenta
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Ouve-se uma voz off em fundo a chamar: “Jeremias, Jeremias”. Uma mulher, armada de um aspirador, entra no quarto/palco cheio de caixotes de cartão onde Jeremias, o seu filho, já se encontra deitado na cama, os óculos de realidade virtual postos, absolutamente indiferente ao que se passa em volta.

Ao longo de cerca de uma hora, Jeremias vai manter-se assim, alheado da realidade envolvente, incluindo as sortes e queixumes das mulheres que vem seduzindo e esquecendo, tanto quanto não distingue já o que é a vida real e o mundo virtual.

“Esta é a história de Jeremias Epicentro, um Don Giovanni moderno e incansável. Mas Jeremias é um enorme sedutor que se apaixona e desapaixona num pequeno espaço entre quatro paredes. É um sedutor solitário”, escreve Mário João Alves a apresentar a sua nova criação dramatúrgica, As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro, uma ópera cómica que este sábado tem estreia no Teatro Campo Alegre, uma co-produção do Quarteto Contratempus com o Teatro Municipal do Porto.

Em volta de uma luva interactiva – uma espécie de mão do Darth Vader que permite manipular o som e as imagens que se vão sucedendo num grande ecrã –, várias mulheres desfilam as suas histórias, entre o consultório da psiquiatra e a cama de Jeremias. Há mulheres reais e do nosso imaginário ficcional: uma Maria Antonieta sem cabeça com acordes d’A Marselhesa em fundo; uma Carmen de opereta com as suas castanholas; uma Maria von Trapp a cantar “música no coração”; uma Marge Simpson a divagar sobre a descoloração da pele; a mulher enganada de Jeremias a fazer um libelo feminista…

Enquanto isso, este Don Giovanni de ópera bufa continua deitado no conforto/apatia do seu mundo virtual. “Na sua hiperactividade emocional, Jeremias Epicentro seduz as personagens com que joga, as actrizes dos filmes que vê e, em última análise, as heroínas dos livros que lê”, escreve ainda Mário João Alves. “Prisioneiro do seu ecrã, Jeremias, como tantos contemporâneos seus, vai perdendo a capacidade de distinguir o real do virtual (…). No seu quarto, empalidece com o tempo. No mundo virtual há pouco sol”, acrescenta o libretista.

Actores-cantores

Cada um(a) do/as intérpretes é simultaneamente cantor e músico – Teresa Nunes (soprano), Susana Lima (violoncelo), Brenda Vidal Hermida (piano), Crispim Luz (clarinete) –; e é assim que a peça, que tem música de Jorge Prendas, evolui num bem engendrado trabalho de equipa e de sobreposição áudio e visual.

“O mais difícil neste projecto é colocar músicos de formação erudita a actuar, a interpretar papéis que vão para além daquilo que é a sua preocupação de base, que é a música e o canto”, salienta o encenador António Durães, em declarações ao PÚBLICO após um ensaio de As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro.

Esta é já a quarta experiência de encenação que António Durães tem com o Quarteto Contratempus, um grupo de música contemporânea fundado em 2008, na ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo), no Porto. As anteriores criações foram Semana Profana (música de Fernando Lapa; libreto de Regina Guimarães) e A Querela dos Grilos (música de Fátima Fonte; libreto de Tiago Schwäbl), ambas em 2015; e Os Dilemas Dietéticos de uma Matrioska do Meio (música de Nuno Corte-Real; libreto de Mário João Alves), em 2016.

“Depois de uma primeira produção, Semana Profana, que era uma coisa quase estática, com apenas alguns objectos em estantes, esta inclui uma linguagem tecnológica e um conjunto de efeitos especiais que obrigam a um trabalho mais exigente”.

Criação muito colada à realidade que nos envolve, As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro pretende chamar a atenção para o risco dos jogos e das tecnologias que levam muitos consumidores a alhear-se da vida real. Nesse sentido, é ópera, teatro de intervenção? “Sim”, responde Durães. “Não tem uma moral, a não ser mostrar que é sempre possível desligar a máquina que nos vai prendendo àquele espaço confinado em volta da consola”, acrescenta o encenador, notando que, “aqui, o Jeremias foi capaz de desligar o botão e regressar a uma espécie de vida real, mas há muita gente que já não consegue fazer isso”.

António Durães diz ainda que As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro “foi construído com uma ideia de espectáculo popular”. “Tem estes artefactos todos, que podem de alguma maneira distrair-nos desse propósito, mas pretende ser uma ópera popular” com que os espectadores – espera o encenador – se irão divertir ao reconhecer as personagens e o carácter bizarro das situações encenadas.

As Sete Mulheres de Jeremias Epicentro tem, para já, agendadas duas apresentações no Teatro Campo Alegre – este sábado, às 19h00, e domingo, às 17h00. Depois, e à imagem do que aconteceu com as anteriores produções do Quarteto Contratempus, fará uma digressão por outros palcos do país, com datas a marcar.

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