Dominique de Villepin vai leiloar a sua biblioteca literária

Ex-primeiro-ministro francês leva à praça nos próximos dias 28 e 29, em Paris, um tesouro literário reunido ao longo de quarenta anos. A colecção está avaliada em milhão e meio de euros.

Promete ser o acontecimento político-literário da semana na capital francesa: Dominique de Villepin, ex-primeiro ministro (2005-07) do Presidente Jacques Chirac, vai leiloar a sua biblioteca na quinta e sexta-feira, na casa Drouot.

Poucos dias depois de ter completado 60 anos, o político francês que, antes de chefiar o governo, deixou a sua marca, em 2003, ao contestar num discurso na ONU a intervenção no Iraque, decidiu agora concluir uma fase da sua saga de coleccionador e assim libertar-se para novas aventuras bibliográficas.

“Poderia continuar a acrescentar a minha biblioteca até ao infinito, mas há um momento em que é preciso dar-lhe forma. Acabo de fazer 60 anos; é um bom momento para finalizá-la”, disse Villepin ao jornal espanhol El País, a justificar a decisão de realizar o leilão.

A colecção que agora leva à praça reúne perto de meia centena de lotes reunidos ao longo de 40 anos, entre livros, manuscritos, fotografias, cartazes e outros testemunhos. Quem os organizou e preparou o catálogo para o leilão da Drouot é o alfarrabista e especialista parisiense Benoît Forgeot, que disse ao semanário frances L’Express – o primeiro a anunciar o leilão, em meados de Outubro – que, “por detrás da aparente diversidade desta biblioteca, há um gosto muito apurado e linhas de força subterrâneas”.

Centrada na vida política e literária francesa, e em particular nos temas do engajamento político, cívico e artístico, mas com inúmeras ramificações à história universal, a biblioteca é um bom retrato de Dominique de Villepin, de quem é conhecida a paixão pelas histórias dos movimentos populares e das revoluções.

Um bom exemplo disso é a presença, neste seu acervo, de uma fotografia que documenta um bombardeamento de Barcelona em Fevereiro de 1937, durante a Guerra Civil espanhola. “Na consciência europeia, isso permanece como um remorso muito profundo, e está muito presente em escritores como André Malraux, René Char e todos aqueles que, precisamente, tomaram muito rapidamente consciência de que havia um combate que sem dúvida tardámos demasiado a encetar”, comentou o ex-primeiro ministro francês ao El País.

Outro exemplo deste “internacionalismo” de Villepin é a presença, na sua colecção, de um exemplar raro do longo poema de Walt Whitman, Leaves of Grass (1855) - Folhas de Erva, em português -, considerado uma segunda Declaração da Independência dos EUA – e que, à partida, surge como a peça mais cotada para o leilão de Paris, com uma avaliação que chega aos 80 mil euros.

Mas se há na colecção livros, textos e manuscritos de Lenine, Trotsky, Gandhi e Che Guevara, é naturalmente o património francês que preenche a maior parte dos lotes de que Villepin vai agora separar-se. Entre estes avulta uma edição do livro de Albert Camus L’Homme Révolté (O Homem Revoltado, 1951), dedicado ao casal Jean-Paul Sartre-Simone de Beauvoir, num momento que assinala a ruptura da amizade entre estes e o escritor (a edição está avaliada entre 40 mil e 60 mil euros). E há escritos de Mao Tse Tung  com dedicatória de Sartre à sua amante Michelle Vian, mulher de Boris Vian.

A colecção de Villepin contém também as Obras Completas de Chateaubriand, e uma edição de La Condition Humaine (A Condição Humana, 1933), de André Malraux, dedicado pelo autor, “com grande simpatia artística”, a Celine. Tem ainda uma fotografia histórica daquele escritor realizada por Germaine Krull – e que faz, de resto, a capa do catálogo do leilão, que tem por título Feux et Flammes (Fogos e Chamas - Um itinerário político).

Vários livros do General De Gaulle e um panfleto antigaulista de François Miterrand, Le Coup d’État Permanent (O Golpe de Estado Permanente), marcam a vertente mais política do acervo, que, no campo das raridades mais bem cotadas no mercado alfarrabista e coleccionista, contém uma das primeiras edições do álbum fundador Tintin au Pays des Soviets (Tintin no País dos Sovietes, 1929-30) – avaliado entre 20 mil e 30 mil euros.

No total, esta biblioteca de Dominique de Villepin pode atingir o milhão e meio de euros, ultrapassando o milhão de euros do leilão que o coleccionador tinha já arrecadado em 2008, quando decidiu vender uma outra colecção sua, identificada como “biblioteca imperial”.

Mas a questão económica não é certamente a motivação principal que levou Villepin a desfazer-se, agora, deste sua biblioteca, ele que, depois de falhada a candidatura presidencial em 2012, se estabeleceu na avocação de negócios um pouco por todo o mundo, da China aos Estados Unidos, da Rússia ao Médio Oriente.

“Para muitos, uma colecção é como um santuário. Não é essa a minha perspectiva; o que me interessa é a vida de cada uma das peças, o modo como interagem, como dialogam comigo, como eu cresci em contacto com elas”, disse Villepin ao El País, garantindo que irá continuar a coleccionar, pois que “o melhor livro é aquele que [eu vou] encontrar amanhã”.

Será a continuidade de uma vocação que, segundo o L’Express, Villepin começou a cultivar quando tinha apenas oito anos e já coleccionava caixas de fósforos com figuras de índios em Caracas, onde viveu a sua infância, depois de ter nascido em Marrocos. Um homem que aprendeu nos livros a cultivar a sua “paixão pelo mundo e pela França”, como o próprio disse à RTL.

 

 

 
 
 

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