Diversidade na música portuguesa

A Casa da Música volta a fazer o estado da arte da composição musical no país.

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O Remix Ensemble ALEXANDRE DELMAR/CASA DA MÚSICA

Se há algo que podemos agradecer à Casa da Música (CdM) por estes Estados da Nação é o facto de nos proporcionar um novo olhar sobre as obras que já conhecemos. Os condensados de música portuguesa a que a CdM tem vindo a habituar-nos poderão, por um lado, dar a ideia de que se pretende, de uma assentada, silenciar quem reclama a audição de mais música portuguesa, por outro, têm a virtude de “obrigar” os próprios compositores a ouvirem e reconhecerem o trabalho dos seus pares (e também isso é uma vantagem). De resto, há obras que já foram escutadas (algumas até mais do que uma vez) e que não carecem de mais oportunidades para se perceber o que têm a dizer. É o caso de You should be blind to watch TV (2013), de Igor Silva, que o Remix Ensemble já antes tinha tocado com maior brilho, ou de Paisagem do Tempo (2012/2017), de Daniel Moreira, cuja revisão não acrescentou interesse.

Sábado foi ocasião para o programa orquestral, interpretado pela Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música dirigida por Martin André. Do concerto, persistirá na memória a eloquência de Jorge Peixinho (1940-1995) expressa de forma inventiva na já conhecida Sobreposições (1960). Não obstante a ocorrência de detalhes supérfluos, de que são exemplo pontuais arcos em crótales integralmente abafados pelo tutti, a estreia da nova versão de Ut ex invisibilibus, visibila fiant (2010/2016), para orquestra e electrónica, de João Pedro Oliveira (1959), a abrir o concerto, colocou a tónica no plano do artifício mágico. Ao contrário da obra de Peixinho, que termina com a interrogação do que poderia ter ainda sido dito, a de Oliveira prolonga-se num monólogo cujo assunto se esgota a cerca de três quartos da sua duração, ainda assim suportada pelo deslumbramento de agradáveis sons que envolvem a plateia. De Cândido Lima (n. 1939), escutou-se pela primeira vez a versão integral de România – Paisagens Subterrâneas (2002/03), um também agradável caos sonoro de que emerge, no final, uma “límpida tensão” micro-intervalar. Colocar Paradeisoi (2007) após o longo intervalo não foi suficiente para não deixar que a peça esmorecesse no contexto em que foi apresentada. Não foram devidamente escrutinadas as sensíveis sincronias que esta notável partitura do magro catálogo de Isabel Soveral (n. 1961) exige, em complemento à necessidade de uma especial atenção ao som. Uma singela homenagem à Sagração da Primavera (1913) foi o que nos foi dado a ouvir de Luís Tinoco (1969), numa atitude de respeito para com o original a que alude com alguma elegância em Before Spring, a tribute to the Rite (2010-13). O concerto concluiu com o empenho da orquestra na obra de Daniel Moreira (n. 1983).

Esta terça-feira foi o Remix Ensemble que deu voz a mais um corpo de obras de autores portugueses, encomendadas ou co-encomendadas pela CdM. Abriu-se igualmente com Oliveira, numa nova versão de Le chant de L’oiseau-lyre (2002/17), a que se seguiu a também nova versão de Deux portraits imaginaires (2013/17), de Pedro Amaral (n. 1972), belo poema musical que beneficia da magistral orquestração do seu autor. Equivalente domínio sobre os instrumentos demonstra António Chagas Rosa (n. 1960) no seu Tombeau de Marie Stuart (2007). Iniciada com os originais 4’33’’ de Carlos Caires (n. 1968) – All in one (2010), para agrupamento de câmara e electrónica– que não passam sem deixar a agradável sensação de que muito haverá ainda por dizer, a segunda parte incluiu ainda mais uma peça de Tinoco – Invenção sobre paisagem (2001) – e a já referida peça de Igor Silva.

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