Disco nocturno, infeccioso

Alex Cameron toca hoje na ZDB e merece a vossa atenção.

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Jumping the Shark é uma vitória colossal

Um Elvis fracassado coloca-se debaixo de uma escassa luz, faz de conta que está numa arena gigante, adorado por multidões, atira o cabelo para trás, pega no microfone (de karaoke, único palco em que ainda o deixam cantar) e da sua garganta saem preces sobre o amor, a morte e a desilusão no século XXI enquanto o foco foge dele – e ele, desesperado, percebe que não é, nunca será rei. É Springsteen sem a honra blue-collar, é os Suicide sem a legitimidade avant-garde, é um falhado – e o autor de um dos mais sedutores discos do ano.

Não, não estamos num bar decadente, em 1977, quando os Suicide eram uma lupa apontada ao sujo que encontravam nas ruas em que viviam: um sintetizador marado, um vocalista que mais que cantar parecia um corpo que amplificava um mal estar interno. (Disseram que eram avant-garde mas eram garde-lixo.) E não, não estamos num dos concertos em que Springsteen pega na distopia plástica dos Suicide e retira a violência, o desespero e deixa apenas a tristeza épica, numa admirável versão de Dream, baby, dream. Nos Suicide projectávamos o horror, na versão épica e limpa de Springsteen, que nobelizou os Suicide, projectávamos a nossa batalha pela sobrevivência. E agora vem Alex Cameron devolver as lições dos Suicide – o mesmo órgão espatifado, as mesmas melodias – às sombras. Jumping the Shark adopta as teclas fatelas dos Suicide e o mesmo tipo de melodias, mas dispensa o ruído intenso e demencial em que a dupla americana estava viciada e oferece beleza vocal, como Springsteen fazia, só que sem épico e sem redenção.

Mongrel

Disco nocturno, infeccioso, Jumping the Shark abre com o minimalismo repetitivo de Happy ending, em que uma linha de sintetizador, fria, estridente, por cima da percussão surda, anuncia algo de terrível e termina com a longa sombra sanguínea da extraordinária Take care of business e pelo meio recolhe grandes canções como cadáveres num quadro de Bosch: a melodia de guitarra de Mongrel no fim, o balanço de Real bad lookin’, a tristeza de Internet, em cada uma destas canções vai-se adensando a perda, vão-se acumulando declarações de impotência: “I’m still the King of this town”, ouve-se a dada altura e não se acredita. A fancaria plástica de Jumping the Shark esconde uma praga que conduz à derrota as personagens que o povoam. Mas Jumping the Shark é uma vitória colossal.

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