Descolonizar o pensamento entre Estocolmo e Joanesburgo

A plataforma feminista Mahoyo apresenta esta sexta-feira, em Lisboa, um documentário centrado na efervescente cena cultural de Joanesburgo. Uma alternativa às narrativas uniformizadas sobre África.

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A plataforma feminista Mahoyo: MyNa Do e Farah Yusuf DR
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O documentário The Mahoyo Project (2015) DR

Farah Yusuf e MyNa Do, ambas DJ, fotógrafas e stylists, nasceram e cresceram na Suécia mas ouvem sempre a mesma pergunta nas ruas de Estocolmo: “De onde são?”.

São da Suécia, vivem na capital, mas não encaixam na norma. Farah é de ascendência somali, MyNa de ascendência chinesa, o que entra em conflito directo com os padrões hegemónicos de representação da identidade nacional sueca, país onde a extrema-direita e os sentimentos anti-imigração têm crescido a passos largos, muito à boleia do (cada vez maior) partido nacionalista conservador Democratas Suecos. “Esse tipo de racismo banalizado consegue ser muito irritante”, diz MyNa Do. “Não é só uma questão de insultos racistas ou violência física, é o constante sentimento de insegurança”, conta Farah Yusuf ao PÚBLICO. “Se algum abuso racial acontecer a nós e a outros, sabemos que não vão ser muitas as pessoas brancas que nos vão defender.”

Foi contra "essa passividade" e estereótipos perversos de raça, género, sexualidade e identidade nacional que Farah e MyNa criaram, em 2008, a Mahoyo, uma plataforma feminista interseccional e interdisciplinar que funciona, online e offline, como “um espaço seguro onde “exploram livremente” as suas identidades e criatividade, numa lógica colaborativa transcontinental. Esta sexta-feira passam pelo espaço Damas, em Lisboa, em mais uma edição do evento Damachine, onde apresentam, pelas 18h, e com entrada gratuita, o seu mais importante projecto até à data: o documentário The Mahoyo Project (2015), realizado por Moira Galey, que acompanha a viagem das Mahoyo a Joanesburgo, na África do Sul, e o intercâmbio entre jovens artistas africanos e suecos.

Boa parte do filme centra-se na efervescente cena cultural de Joanesburgo, com testemunhos de vários artistas locais. Entre eles estão a DJ Phola Gumede – com quem organizaram workshops de DJing e produção de música electrónica para mulheres –, a apresentadora de rádio e televisão Lethabo “Boogy” Maboi, a designer de moda Tiisetso Molobi e a crew de dança V.I.N.T.A.G.E CRU, uma força vital na comunidade LGBTI da cidade. “A coisa mais surpreendente em Joanesburgo não foi a existência de comunidades feministas e queer, mas o facto de ter demorado tanto tempo a sermos expostas a isso”, revelam Farah e MyNA, referindo a influência inicial do projecto de documentários e vídeos Stocktown, do realizador Teddy Goitom (Afripedia), também com base em Estocolmo mas com os olhos em África (e no mundo).

O objectivo de The Mahoyo Project é claro, e necessário: contribuir, sem paternalismos, para transformar as narrativas uniformizadas e estereotipadas veiculadas sistemicamente pelos media ocidentais sobre África e a sua produção artística, uma realidade profundamente diversificada que é normalmente encaixilhada sob o título redutor de “arte africana”. Descolonizar o pensamento e o conhecimento é a mensagem que se impõe. “Sabemos perfeitamente que internalizamos muita da propaganda dos mundos ocidentais”, diz o duo. “A descolonização das nossas mentes é uma parte muito importante do processo, bem como verificarmos os nossos privilégios e sermos humildes."

Depois da projecção do documentário nas Damas, segue-se uma conversa com as Mahoyo, a rapper Juana Na Rap e Otávio Raposo, investigador nas áreas de estudos urbanos e segregação, e autor de documentários como Nu Bai: O Rap Negro de Lisboa. À noite há concerto de Juana Na Rap, dama do rap crioulo com ligação directa à Margem Sul, e set DJ das Mahoyo, que nos levará do dancehall ao kwaito (género musical nascido em Joanesburgo), do hip-hop ao r&b.

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