Querubim Lapa: Eternos namorados

Em Como se não existisse nada, Querubim Lapa surge como o sujeito de um documentário que privilegia não a obra ou a biografia, mas o sentimento amoroso que o uniu a Susana Barros, sua aluna, sua companheira e sua segunda mulher. Em exibição no Doclisboa.

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Quase cinco meses depois do seu desaparecimento, Querubim Lapa surge como o sujeito de um documentário que privilegia não a obra ou a biografia, mas o sentimento amoroso que o uniu a Susana Barros, sua aluna, sua companheira e sua segunda mulher. Como se não existisse nada é um retrato afectuoso, realizado a uma distância justa, da relação entre ambos, homem e mulher com idades muitos distintas (quando se conheceram, o ceramista tinha 53 anos, e a aluna, 17).

À realizadora não interessaram as polémicas, a reacção da família ou da sociedade, a turbulência habitual das paixões imprevistas. O seu olhar envolve apenas os últimos momentos do casal, com os seus rituais, rotinas, gestos. Vemo-los a almoçar, em convívio com amigos, a pintar azulejos na oficina. As memórias são evocadas ao serviço da recordação dos primeiros encontros, da posterior separação e da reunião ao fim de 20 anos de silêncio. Sempre com as pinturas, os retratos, as cerâmicas, qual coro mudo, a velarem pela história íntima dos dois. Porque foi numa aula, na Escola António Arroio, que Querubim se enamorou pelo rosto, pelo corpo, pelo cabelo de Susana, modelo vivo de um paixão que seria correspondida e que nunca mais se apagaria.

Daí ao título Como se não existisse nada. É como se uma força intangível e poderosa os juntasse sobre o tempo e o espaço (“Ele sabia sempre onde estava”, diz antiga estudante), afastando tudo para longe, tudo menos essa teimosa morte. Ao deixar do mundo dos homens, Querubim Lapa deixará também Susana. A apreensão, o cuidado ansioso da mulher (que vai sorrindo com tristeza) aumentam à medida que o filme avança para o fim, em contraste com a serenidade do artista que pinta mais um retrato da amada: quer garantir a imortalidade merecida ao olhar que os juntou. Querubim Lapa sabe que esse cuidado deve ser mantido até ao último momento, para que não se esqueçam, para que a memória não se perca. Para que enfim, quando olharem para a tela, que o espectador vê a ser colocada sobre aquele armário em Silves, encontrem Susana pintada pelo homem que a amou e que ela amou.

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