Convento de S. Francisco quer mudar o panorama cultural da região centro

Um dos maiores equipamentos culturais da região centro é inaugurado na sexta-feira sem que o futuro do modelo de gestão seja claro. Os programadores querem atrair público e colocar Coimbra no mapa, mas agentes culturais locais falam em pouca articulação.

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o edifício localizado na margem esquerda do Mondego será palco, nesta sexta-feira, da peça Dos Bichos, da companhia O Bando Sérgio Azenha

Dá-se a conhecer como o equipamento que vai mudar o panorama da cultura na região e no país. O Convento de S. Francisco (CSF), em Coimbra, vai abrir ao público na sexta-feira, criando um complexo de espaços com uma programação cultural que se pretende regular e que é, para já, determinada pela autarquia.

O primeiro trimestre de programação vai ser o segundo de 2016. Entre Abril e Junho vão passar pelo Convento de S. Francisco artistas como Benjamin Clementine, Maria Rita ou Michael Nyman. “As pessoas têm de tomar conta do espaço”, diz ao PÚBLICO o ex-director-geral das Artes e agora o assessor cultural da Câmara Municipal de Coimbra para a programação do CSF, João Aidos, que quis criar um programa intenso "para atrair público”.

Por isso, o edifício localizado na margem esquerda do Mondego será palco, nesta sexta-feira, da peça Dos Bichos, da companhia O Bando, com a colaboração de outras entidades culturais da cidade, um evento inaugural que percorrerá vários espaços do convento num apelo à memória. Em 1990, a peça Os Bichos, baseada na obra de Miguel Torga, foi levada à cena na Igreja de S. Francisco (anexa ao convento, mas cujas obras estão hoje por terminar).

Na programação, que será apresentada esta terça-feira, com um orçamento de 278 mil euros, há espectáculos de dança, performances, conferências. Desde a actuação da companhia TAO Dance Theater até concertos do músico de jazz Garry Burton ou do artista visual e músico Takami Nakamoto.

Uma das questões que desde o início acompanharam o debate sobre este espaço que se distribui por três áreas – Igreja de S. Francisco, grande auditório e convento e que ocupa 12 mil metros quadrados  prende-se com a escala. Coimbra tem público para uma estrutura com esta dimensão? João Aidos considera que “basta perceber a escala da cidade, que até já tem vários equipamentos”, para que se aponte para a importância da “perspectiva de atrair públicos de Aveiro, Viseu, Leiria”. Para isso, o assessor trabalhou numa programação com o objectivo de atrair vários tipos de público de diversas faixas etárias sem descurar a “qualidade artística”. Há uma mostra internacional de novo circo a ter lugar já no final do mês de Abril que permite ocupar “uma área que não existe em nenhum festival neste momento e em que [o CSF se quer] posicionar”.

Apesar de os trabalhos na totalidade do Convento de S. Francisco ainda não terem terminado, a vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, Carina Gomes, considera que “é preciso abrir as portas e começar a dar uso a este equipamento”.  Em termos de público, a responsável destaca a capacidade “para atrair gente da região, do país e mesmo da vizinha Espanha”. Aidos, também co-fundador das companhias de Teatro do Algarve e de Aveiro, reforça a intenção do município de “perceber a dinâmica do espaço” e de “auscultar os públicos, para perceber qual vai ser a resposta”. Estes meses vão servir para essa experiência, refere.

A história da empreitada conta-se em episódios de atrasos e derrapagens orçamentais. Com inauguração originalmente prevista para final de 2012, esta obra pública tinha um orçamento inicial de 23 milhões de euros. Entre problemas de infiltrações, mudança de empreiteiro a meio da obra, achados arqueológicos, o projecto de reabilitação do convento acabou por se fixar em 40 milhões de euros. Este valor inclui já os acabamentos no estacionamento e a restauração da igreja anexa que estão ainda por concluir.

A estrutura engloba salas polivalentes, espaços de restauração, áreas expositivas e salões para congressos. O arquitecto Carrilho da Graça (Museu do Oriente) foi o responsável pela recuperação e reconversão do antigo edifício do convento e pelo desenho do grande auditório, com capacidade para 1125 pessoas. A requalificação da Igreja de S. Francisco é da autoria do arquitecto Gonçalo Byrne (Museu Machado de Castro, também em Coimbra) e tem uma lotação de 600 espectadores para além de espaços destinados a residências artísticas. 

O edifício construído no início do século XVII foi convento de frades e, mais tarde, fábrica de lanifícios, actividade que cessou já no final do século XX. Em 1995, o imóvel foi adquirido pela autarquia, ainda durante a primeira passagem do socialista Manuel Machado pela presidência do município. Desde então, vários foram os planos delineados para o Convento de S. Francisco – esteve para ser um centro de negócios e escritórios, um centro de congressos, um espaço hoteleiro e cultural até que, em Outubro 2010, foi avante o projecto com que vai agora abrir portas.

Um modelo que compreende programação cultural, centro de congressos e um espaço para turistas. Carina Gomes explica que o objectivo passa por criar um welcome center, ou seja, um sítio que permita aos visitantes começarem o seu percurso por Coimbra no Convento de S. Francisco, "tendo informação não apenas sobre o espaço mas sobre toda a cidade”. “Outras valências, que, à parte a programação cultural, vão permitir que este espaço esteja em permanente movimento”, resume. Para pôr esta estrutura a funcionar, a autarquia conta com uma equipa de 40 pessoas, entre funcionários do município e técnicos especializados contratados para o efeito.

Entrar no circuito Lisboa-Porto


Quanto ao posicionamento em áreas artísticas, a estratégia definida pelo executivo passa, refere, pelo apoio à co-produção, pela realização de eventos “que complementam a oferta cultural que há na cidade” e por uma “série de projectos que fazem o circuito Lisboa-Porto” e que poderão passar por Coimbra. João Aidos menciona um conjunto de sinergias com outras estruturas culturais do país – já houve conversas com a Companhia Nacional de Bailado e com o Teatro Nacional de S. Carlos, mas sublinha que terão ainda que passar pelo crivo do executivo. Isto, para além do trabalho em rede que refere estar a ser realizado com os agentes culturais da cidade. Carina Gomes caracteriza o trabalho entre município e agentes culturais locais como “sistemático e muito forte” e aponta para a peça de inauguração do CSF – que conta com a participação de actores de várias companhias da cidade em colaboração com O Bando – como um exemplo dessa articulação.

No entanto, agentes culturais com os quais o PÚBLICO conversou referem que esse trabalho de articulação ainda não se encontra no ponto desejável. Isabel Craveiro, directora da companhia O Teatrão, menciona a existência de uns “primeiros esboços de colaborações”, mas entende que “era expectável que, neste momento, esse trabalho estivesse já mais avançado”.

O director do Teatro Académico Gil Vicente, Fernando Matos Oliveira, fala numa primeira experiência de programação conjunta, como é o Abril, Dança em Coimbra, a ser preparado pelas duas estruturas. “Este projecto é uma das iniciativas que têm as características de uma colaboração possível entre o TAGV e o convento”, afirma, considerando que um trabalho de coordenação “ainda não foi formalmente feito”.

Mais crítico é António Augusto Barros. O director da Escola da Noite entende que “não houve propriamente uma tentativa de diálogo ou de recolher opiniões”. Augusto Barros menciona o convite para visitar o equipamento e para participar na peça de abertura do convento, mas considera este último uma “abordagem à última hora, só para dizer que foi feita, quando já era completamente inviável”.

Augusto Barros fala de “um certo reconhecimento de ilegitimidade” em relação à programação do Convento de S. Francisco, numa alusão ao contrato por ajuste directo de João Aidos para assessorar no CSF, por oposição à via do concurso público, também defendida por vereadores da oposição. Considera igualmente que essa tem sido a coerência de uma “política cultural autocrática, arbitrária, centrada no presidente, que discute tudo”. No ano passado, em resposta a estas acusações, o presidente da Câmara de Coimbra, Manuel Machado, comentava ao PÚBLICO que “o engenheiro João Aidos foi contratado em cumprimento do código de contratos públicos e isso não servirá de pretexto para outros ataques”.

O modelo de gestão é também uma das interrogações quanto ao CFS. Com um orçamento de 1,5 milhões para este ano (um milhão para despesas correntes, meio para programação), cuja dotação provém do município, ainda está por se saber se será criada uma empresa municipal para gerir o equipamento. Manuel Machado tinha avançado já com essa hipótese em Fevereiro, uma vez que uma alteração à lei do Orçamento do Estado agora em vigor possibilitaria essa opção. Sem apontar um prazo, Carina Gomes diz que a hipótese de criar uma empresa municipal está a ser analisada e que a decisão deverá ser anunciada “o mais depressa possível”.

Para viabilizar financeiramente o convento, a vereadora remete para um estudo de viabilidade económica que foi feito em 2015 aquando da candidatura ao POVT e que já foi actualizado. Refere os congressos como “uma parte importante para equilibrar com receita a despesa que este espaço tem” e avança que estão já agendados cerca de 30 até ao início de 2017.

A gestão do equipamento tem sido criticada pela oposição camarária, que reclama falta de informação. José Augusto Ferreira da Silva, vereador eleito pelo movimento Cidadãos por Coimbra, lamenta que não haja esclarecimentos prestados pela câmara sobre o futuro da gestão e se, até agora, “funciona, se não funciona, quem foi contratado, quem não foi. É uma coisa no segredo dos deuses”. A vereadora explica que, depois destes meses de abertura e do estudo de viabilidade da empresa municipal, será possível perceber que “reajustes” e que “soluções” serão necessários.

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