Como uma avalanche

A lógica por detrás da acção de 11 Minutos é a da avalanche, diz em entrevista ao Ípsilon Jerzy Skolimowski.

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“Como uma avalanche”, são as palavras com que Jerzy Skolimowski descreve ao Ípsilon a lógica por detrás da acção de 11 Minutos. É o seu terceiro filme desde que em 2007 regressou à actividade (com Quatro Noites com Anna) depois de um interregno de quase 20 anos, e aparece cerca de cinco anos depois da estreia de Essential Killing, que tinha Vincent Gallo (com quem “foi muito difícil trabalhar, não estava assim tão preparado para as exigências físicas do papel”) na pele de um terrorista em fuga por florestas e planícies geladas.

Todos estes filmes desta última fase de Skolimowski são bastante peculiares, e aparentemente pouco têm em comum. Mas a violência e a “contemporaneidade” de Essential Killing talvez reverberem um pouco em 11 Minutos, filme que, a ser sobre alguma coisa tangível, é mesmo, di-lo Skolimowski, sobre “a violência, o caos, a tensão da vida contemporânea” numa grande cidade.

Que se passa em 11 Minutos? Muita coisa, o filme desdobra-se em muitas pequenas histórias a correrem paralelamente, com centro num triângulo formado por uma actriz que vai a uma entrevista com um realizador, esse realizador, e o marido da actriz. Tudo se passa entre as 17.00 e as 17.11, em Varsóvia (mesmo se alguns décores foram filmados em Dublin, “por se tratar de uma co-produção com a Irlanda”, o que também explica a presença do actor Richard Dormer, na pele do realizador, no meio de um elenco essencialmente polaco).

Num exercício brilhante de sucessivas contracções e dilatações do tempo, esses 11 minutos dão para um filme de hora e meia, baseado em repetições, não necessariamente evidentes, das mesmas acções segundo pontos de vista diferentes, e em, por regra, discretas marcações da hora exacta (como o avião que passa, assim sugerindo a simultaneidade de duas acções vistas em pontos diferentes do filme). E tudo e todos confluem para um final espectacular (a “avalanche”), também ele quase prodigioso na decomposição do tempo e do espaço, na tensão e distensão temporal, numa espécie de onirismo construído com elementos absolutamente realistas.

Choques e explosões

Notamos que esse clímax, feito de choques de automóveis, explosões e gente a cair do topo de prédios, tal como está construído, é quase um “raccourci” do filme inteiro, como se o contivesse, ou contivesse pelo menos o essencial do seu procedimento formal. E Skolimowski refere que foi “exactamente pelo final que começou”, a ideia para o filme nasceu de “uma visão” dessa cena de fecho.

O trabalho de construção do argumento passou-se, diz ele, “às arrecuas”, imaginando uma cadeia de acontecimentos conducente a um grande desastre. É um pouco o princípio de um filme como o L’Argent de Bresson, esta ideia de ter um grupo de personagens arrastadas numa voragem que não controlam e de que não são necessariamente, sequer, agentes, antes meros piões.

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11 Minutos, a ser sobre alguma coisa tangível, é mesmo sobre “a violência, o caos, a tensão da vida”, diz o realizador contemporânea” numa grande cidade foto: Toru YAMANAKA/AFP

Mas ao contrário de Bresson, 11 Minutos guarda uma distância quase cínica em relação às suas personagens, não há nenhuma a quem o espectador se possa agarrar – fica tão perdido dentro do emaranhado desta narrativa quanto elas.

Em entrevista ao Ípsilon Skolimowski diz, contudo, que “quis preservar uma dimensão não-explicada na caracterização das personagens”, “guardar um mistério quanto à natureza de certos gestos ou pormenores”, dar livre curso “à imaginação do espectador” quanto à história das personagens até às 17h00 daquele dia.

Skolimowski rejeita que o filme tenha alguma coisa de especificamente polaco, ou pelo menos que contenha algum tipo de comentário da vida na Polónia contemporânea. Apesar de ter voltado a viver no seu país natal depois de muitos anos nos Estados Unidos (“fartei-me da América”), insiste que 11 Minutos se podia passar em qualquer grande cidade americana, europeia ou asiática. É essa a razão por que os cenários escolhidos são relativamente indistintos, e sobretudo os interiores, espécie de imagens “standard”, cerradas e envidraçadas, de hotéis e apartamentos de luxo que se podiam situar em qualquer sítio do mundo.

A juntar a isso vem a profusão de imagens derivadas da “modernidade tecnológica” e da miríade de écrans (telemóveis, computadores) que hoje entram na vida de todos os dias. O que começa, aliás, no prólogo, ele próprio uma pequena “avalanche” de imagens desse tipo de écrans, a multiplicarem-se numa tensão sem centro e (ainda) sem contexto – também, para Skolimowski, uma maneira de trazer algum “passado” para as personagens, se não uma apresentação delas ao espectador, a tentativa “de criar um módico de familiaridade”.

É um facto que o desenrolar do filme, na sua energia labiríntica, quase suspende as perguntas do espectador, as perguntas “clássicas” pelo menos, aquelas que se referem a motivações, causas e efeitos. Entra-se nesta grande roda e rapidamente tudo é uma questão de movimento, de tempo, e o que conta é avolumar da tensão que, uma vez libertada, desencadeará a “avalanche”.

Skolimowski, ao contrário de outros cineastas, não tem medo de usar a palavra “metáfora”. Mas num sentido poético e num sentido onírico, como signos resistentes à descodificação: “Não tenho que explicar nada, nem sequer a mim próprio, se é que tenho explicação”.

E é esta aparente ausência de um sentido que não seja o do movimento e o do acaso das circunstâncias e coincidências que faz de 11 Minutos um filme “realisticamente onírico”, próximo daquela noção de “cinema puro” como, noutros tempos, Hitchcock a definia.

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