Como os criativos das séries de televisão lidam com Trump e a política real
O New York Times falou com os responsáveis por algumas produções americanas para saber como o 45.º Presidente dos EUA afecta o seu trabalho.
Com a eleição de Donald Trump como Presidente dos EUA, os criativos de algumas séries de televisão que se dedicam ao universo político viram a realidade a aproximar-se ainda mais do que imaginaram. O New York Times falou com os argumentistas e produtores (ou showrunners) de House of Cards, Frank Pugliese e Melissa Jane Gibson, com as criadoras de Scandal, Shonda Rhimes, e de Madam Secretary, Barbara Hall, e ainda com David Mendel, que recentemente se juntou à equipa de Veep. A conversa centrou-se no eventual cruzamento que existe entre ficção e realidade. Tiveram que mudar o curso da série devido à eleição de Trump? Até que ponto o no Presidente dos EUA e Frank Underwood (House of Cards) são parecidos? E se tivessem de ser eles a escrever o guião de Trump?
Shonda Rhimes série que segue Olivia Pope (Kerry Washington), ex-directora de comunicação que cria a sua própria agência de gestão de crise, revelou que a sexta temporada de Scandal, que foi filmada antes da eleição de Trump mas que só estreou em Janeiro, sofreu alterações. Uma delas teve a ver com a polémica da interferência da Rússia nas presidenciais norte-americanas. “A nossa história de fundo tocava no assunto da Rússia, e tivemos que refazer tudo isso. E à medida que nos aproximámos da segunda parte [da temporada], disse que precisávamos de acabar numa forma mais optimística do que a que tínhamos planeado”, diz Rhimes.
A criadora e argumentista de Scandal considera que as pessoas com as quais os programas devem comunicar são aquelas que se abstiveram no dia da eleição. “Fico mesmo ofendida com o conceito de que o que resultou da eleição foi que – como é que digo isto? – as pessoas mais pobres que não são de cor [negra] precisavam de mais atenção. Pensei que isso fosse um bocado louco, que eles precisassem de mais televisão. Eles têm televisão. Pareceu-me muito estranho. E eu pensei que as pessoas com quem devíamos falar eram os 50% da população que não votaram. Essas são as pessoas que precisam de estar mais envolvidas.”
Mas há outra série que se aproxima ainda mais daquilo que acontece na política americana: Madam Secretary. Fala sobre a vida de uma secretária de Estado, a personagem principal, Elizabeth McCord (Téa Leoni), que se antecipou a John Kerry e conseguiu um acordo nuclear com o Irão. “Nós centramo-nos um pouco no futuro. Foi assim que o acordo de paz iraniano aconteceu [na série], porque estávamos a começar em conversações com o Irão, e pensámos em ir em direcção à conclusão mais dramática possível. Vamos ter um acordo de paz total e o Presidente do Irão vem cá [aos EUA]. Não foi exactamente isso que aconteceu [na realidade], mas aproximámo-nos muito das manchetes”, diz Barbara Hall.
Dos quatro títulos, Veep destaca-se pelo simples facto de ser a única comédia. David Mendel, um dos argumentistas, diz que os criativos da série “têm e não têm” de se preocupar com o que acontece no mundo real. “Nós passamos uma enorme quantidade de tempo a pensar nas piores coisas que um político possa dizer ou fazer”, afirma. Em Veep, vemos as peripécias da vida da ex-senadora Selina Meyer (Julia Louis-Dreyfus) como vice-presidente dos EUA. Quando a personagem deixa o cargo, inicia-se um novo arco narrativo, com Selina a conduzir uma campanha eleitoral para outro político — por precisar do dinheiro. “Pareceu ser a pior coisa que se pudesse pensar em fazer. Isso fá-la parecer horrível, espero eu que de uma maneira engraçada”, nota Mendel.
O argumentista de Veep conta que "a decisão de a retirar [Selina] da Casa Branca” ocorreu “há dois anos”, numa altura “pré-Trump, pré-Hillary”. Embora Mendel aproveite para dizer que "nunca esteve tão contente por não estar na Casa Branca" e reconheça no actual assessor de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, a personagem Mike McLintock, assessor de imprensa de Selina em Veep. "Por um lado, ele [Spicer] faz o McLintock parecer muito bom no seu trabalho. Estou muito feliz por estarmos a evitar as maiores semelhanças", diz.
Donald Trump e Frank Underwood
House of Cards é a história de Frank Underwood (Kevin Spacey), congressista americano que tem como objectivo alcançar mais e mais poder. Frank é uma pessoa sem escrúpulos, que faz aquilo que é preciso fazer para conseguir o que quer. No final da segunda temporada, chega à Casa Branca. A pergunta é: o Presidente dos EUA ficcional e real têm pontos em comum? “Quando olho para ele [Trump] vejo este homem branco de 70 anos quase em pânico em relação ao mundo a mudar à volta dele, e ele está a lutar muito para se aguentar”, diz Melissa Jane Gibson, showrunner da série.
Jim Rutenberg, o jornalista do The New York Times, faz a observação de que Frank Underwood “está a tentar controlar o mundo de uma forma muito metódica”, diferente de Trump. “O Frank vem de dentro do sistema, ao passo que Trump chegou de fora, e ambos têm uma relação interessante com o sistema”, considera Gibson. “De uma maneira interessante, o Frank tenta gerir o caos. E se calhar o Trump também. Veremos”, afirma Frank Pugliese, outro showrunner de House of Cards.
“A coisa mais dramática que lhe podia acontecer era a transformação. Se ele realmente se tornasse num herói e num bom presidente. Isso é a coisa mais dramática, mais louca e mais bizarra que eu imagino acontecer a Donald Trump”, acrescenta Shonda Rhimes.