Cinco entradas para Jonathan Demme

De toda a carreira de Jonathan Demme destacamos cinco entradas. O Silêncio dos Inocentes e Filadélfia estão cá, mas há mais.

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Reuters/DENIS BALIBOUSE

Melvin and Howard, 1980

O carinho de Jonathan Demme pelos absurdos da existência e pela gestualidade efusiva dos que perseguem em perda o american dream — esta é a história, verídica, de um Zé Ninguém a quem veio parar a herança do milionário Howard Hughes — valeu-lhe (leia-se a crítica da época) a sua inscrição numa linhagem de cultores da sátira social, em que está gente como Preston Sturges ou Frank Capra (cineastas líricos, afinal). Mary Steenburgen, que interpreta uma das mulheres da desastrada vida de Melvin (Paul LeMat — Howard Hughes é interpretado por Jason Robards), receberia o Óscar de Melhor Actriz, tornando-se a primeira dos quatro actores dirigidos por Demme premiados pela Academia — o resultado do intenso fascínio do realizador pelos seus actores e da sua capacidade de os fazer desabrochar.

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Stop Making Sense, 1984

Demme aprisionava aqui a energia visceral dos Talking Heads, num concerto no Hollywood Pantages Theatre em Los Angeles. Independentemente do culto que adquiriu dentro do género “filmes-concerto”, não escapará a estreita ligação empática, mais do que isso, o reconhecimento, entre o universo das canções dos Talking Heads, da sua poética delirante e oblíqua, e o cinema de Demme deste período — como se David Byrne pudesse ser, afinal, uma emanação da energia ficcional do realizador.

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Selvagem e Perigosa, 1986

Um exemplo da exuberância colorida de que foi capaz Demme, esta história de uma azougada que arrasta um yuppie (Jeff Daniels a “pedir” para ser violado...) para o seu périplo de sensualidade (ela metamorfoseia-se às tantas, mas Melanie Griffith, sim, ela explodiu neste filme, chama-se Lulu e tem o penteado de Louise Brooks...), aconteceu numa época do cinema americano em que ainda não se tinha instalado o medo do desvio, da inversão, medo que talvez seja o traço do mainstream de hoje. Olhava-se de forma desabrida para o estertor dos anos 80. Haveria um “filme gémeo”, Viúva mas Não Muito (1988), que é menos espontâneo, mas é um deleite olhar para Michelle Pfeiffer.

O Silêncio dos Inocentes, 1991

Em 1981 ganhou cinco Óscares: filme, realizador, actor (Anthony Hopkins), actriz (Jodie Foster) e argumento. Um pleno — os big 5 — que poucos (Uma Noite Aconteceu, de Capra, em 1934, ou Voando sobre Um Ninho de Cucos, de Milos Forman, em 1975...) conseguiram. E ficou com a fama de ser “o único filme de terror a ganhar o Óscar do Melhor Filme”. Isto vem entre aspas porque a discussão era esta: é um filme de terror ou é um thriller? David Lynch, por exemplo, meteu-se ao barulho, defendendo que percebia que os fãs do género horror pudessem descartar O Silêncio dos Inocentes, mas para ele era “puro horror gótico” que usava artifícios de crime story. Para além do seu preciosismo, a discussão toca o essencial do cinema de Demme, alguém que teve as primeiras oportunidades com o produtor Roger Corman: trazer para o centro, reabilitar (e misturar) géneros esquecidos ou experiências marginalizadas. Dois anos depois, o establishment levantava-se para aplaudir Filadélfia.

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Filadélfia, 1993

E o mainstream de Hollywood reconhecia, em 1993, a sida, a homossexualidade, a homofobia. Quer dizer: olhava para eles, dava-lhes figuração, colocava-os no centro. Foi um turning point: Óscar de Melhor Actor para Tom Hanks e para a canção Streets of Philadelphia, de Springsteen. Para além da importância social, cultural e política, para além do inesquecível (e de importância cultural, social e política) agradecimento de Tom Hanks com o seu Óscar na mão, Filadélfia fica como um tour de force: delicada e simultaneamente vigorosa aliança entre o político e o melodramático.

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