Celina da Piedade: “É como se estivesse a fazer música na minha sala de estar”

No primeiro disco abriu as portas De Casa, neste saiu para ver o Sol. Celina da Piedade volta a mostrar que, além de requisitada acordeonista, é uma talentosa cantora e compositora.

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Celina da Piedade na sessão de fotografias para o disco Sol CAT RAIN

Foi em 2012 que Celina de Piedade surgiu com um primeiro disco a solo, isto depois de muitos anos a trabalhar com Rodrigo Leão (e com músicos como Mayra Andrade, Ludovico Einaudi, António Chaínho ou os Os Homens da Luta). Chamava-se De Casa e era, surpreendentemente, duplo. Celina diz que foi uma espécie de capricho: “Foi duplo porque era o meu primeiro disco ao longo de muitos anos a trabalhar como música, tinha muita coisa no baú, muita coisa que gostava de trazer a público. Foi uma espécie de capricho. Quando eu disse que gostava que o disco tivesse vinte músicas, e percebemos que tinha de ser duplo, toda a gente disse que sim.”

Depois disso, ela estabeleceu a si própria uma meta: fazer um disco novo de dois em dois anos. E cumpriu. Em 2014 editou O Cante das Ervas, com repertório tradicional do Baixo Alentejo (à excepção de Boa Palavra, escrita por ela e por Alex Gaspar) e vendido com ervas verdadeiras. Agora, dois anos passados, edita Sol, com oito temas originais e duas versões de canções da América do Sul: A linha e o linho, de Gilberto Gil, e Piedra y camino, de Atahualpa Yupanqui.

“Não planeei pegar num tema brasileiro. Mas como se percebe pelo disco, eu gosto muito de artesanato, de trabalhos manuais (faço crochet, bordado, costura) e andava à procura, não para o disco mas para outra coisa que queria fazer a seguir, de temas que falassem sobre artesanato. Nesta busca encontrei A linha e o linho e fiquei encantada. É uma canção escrita pelo Gilberto Gil, no masculino, mas revi-me tanto nela, achei-a tão apropriada, mesmo em termos emocionais, para este momento da minha vida, que acabei por integrá-la neste disco.” A canção é cantada em português de Portugal e com uma alteração (à semelhança do que Carminho fez no seu disco só com temas de Tom Jobim): o “você” passou a “tu”, porque soava estranho no contexto de uma canção de amor. “Primeiro fiz a adaptação, depois mostrei ao Gilberto Gil e perguntei-lhe o que é que ele achava. E ele aceitou, gostou e aprovou. Tentei tornar a versão o mais natural possível.”

Ser e acreditar

Piedra y camino, de Yupanqui, teve aqui versão portuguesa. “Sou uma grande admiradora das músicas dele, conheci-o através das interpretações da Mercedes Sosa, e já canto esta canção na versão original há muitos anos. Agora experimentei traduzi-la e estou muito contente com o resultado. Acho que voltei ao que tinha feito no Em Casa: trazer coisas para o meu universo.” Celina explica melhor: “Quando faço estes discos tento manter sempre o meu universo doméstico preservado: isto é o que eu faço, isto é o que eu sou, esta é a minha verdade. Não extrapolo muito para universos desconhecidos. É como se estivesse a fazer música na minha sala de estar.”

O primeiro tema do disco, que deu origem ao seu primeiro videoclip, é Assim sou eu, uma música que já estava escrita, parceria de António Pinho (da antiga Banda do Casaco) e João Gil, com quem Celina tem trabalhado nos Tais Quais e que é agora produtor musical convidado em Sol. “O João Gil disse-me que tinha uma canção que era a minha cara. Nem quis acreditar: é mesmo!”

O segundo tema, que foi também o segundo videoclip, recém-estreado, chama-se Acredito: “A base deste tema foi uma melodia composta em viola campaniça pelo Alex [Gaspar]. Ele andava sempre a dizer: quando é que fazes uma letra para isto? E eu nunca mais fazia. Até que uma tarde, ao contrário do que normalmente me acontece (para escrever uma letra levo algum tempo), ele saiu para um ensaio, eu agarrei num caderno e em meia hora tinha a letra feita.”

"Uma extensão do meu corpo"

Nascida em Setúbal, em 1978, Celina da Piedade continua a trabalhar em vários projectos, a par do seu trabalho a solo. O acordeão, que começou a tocar aos 5 anos, é o seu instrumento eleito. “Estudei piano também, no Conservatório, durante cinco anos, dos 10 aos 15. Mas tinha uma relação muito difícil com ele, porque comparava-o sempre ao acordeão, com o qual já tinha uma relação muito natural, é quase uma extensão do meu corpo. Com o piano até tinha dores físicas.”

Agora, além de vários espectáculos e do lançamento do novo disco, está a trabalhar num tema que lhe encomendaram para o Festival da Canção de 2017, que nesta edição contará com alguns compositores fora do habitual, como Noiserv, João Só, Luísa Sobral, Márcia, Nuno Figueiredo (Virgem Suta), Nuno Gonçalves (The Gift), Samuel Úria ou Toli Machado (GNR). “Tenho de fazer o tema e decidir quem vai cantá-lo, eu ou outra pessoa. Mas estou muito entusiasmada.”

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