Carrilho prepara livro de aforismos e autobiografia

O seu pai sempre gostou do cheiro a pólvora, conta o antigo ministro da Cultura, que responde agora em tribunal por violência doméstica

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Carrilho no início de um dos julgamentos em que responde por violência doméstica evr enric vives-rubio

O antigo ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, projecta escrever um livro de aforismos e uma autobiografia, e está a trabalhar numa outra obra que se deverá intitular A Política depois da Democracia.

Aos 66 anos, faz estas revelações num diálogo com o escritor José Jorge Letria, publicado pela Guerra e Paz, sob o título Manuel Maria Carrilho: Ser Contemporâneo do seu tempo.

O livro de aforismos começou a escrevê-lo há 30 anos, em paralelo com a sua tese de doutoramento. Quanto à autobiografia, afirma: "Iniciei-a em tempos mais recentes, mais de profundis, que comecei a escrever sob a dupla e simultânea inspiração do estoicismo de Séneca e do perspectivismo de Nietzsche  e que poderá vir a ser o meu Ecce Homo".

Sobre si, a dado passo, afirma-se como "um filósofo da contingência". "Sou um filósofo da contingência, penso que tudo pode acontecer... ou não. A necessidade é uma ilusão fomentada pelo determinismo, e o determinismo é um erro metafísico", afirma Carrilho. "Na vida, como na política, o imprevisível é que é a norma, só os nossos medíocres dirigentes actuais é que pensam que ele é a excepção... No que diz respeito à democracia, digo sempre que nada está garantido", prossegue o socialista.

O filósofo diz-se apreensivo relativamente à União Europeia, que vê "em decomposição, sem condições nenhumas para se pensar em saltos federais". "A Europa é uma Europa de nações, não o podemos esquecer, e é assim que ela se vê e parece que é isso que ela quer permanecer", sustenta. Criticando o socialismo europeu, “sem ideias sobre quase nada", questiona: "O que é que a Europa tem de esquerda?" "Temos lá a carta social, está bem, mas não passa de um texto de enquadramento geral, sem alcance vinculativo", observa.

Portugal, por seu turno, chama a atenção Carrilho, "tem um espaço único muito desprezado, que é o Atlântico, que se pode tornar num novo centro do mundo, certamente num dos centros mais importantes". O antigo ministro do Governo de António Guterres pensa que Portugal devia olhar para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) "com outras perspectivas". "Não diria em alternativa à Europa, mas como uma saída para diversas dificuldades que estamos a ter na Europa, e vamos ter cada vez mais ", antevê.

Em termos políticos, argumenta, "a grande dificuldade para uma intervenção política diferente prende-se com a dificuldade em sermos contemporâneos do nosso tempo": "Conseguir não olhar para os media como eles eram há dez anos, não olhar para a justiça como ela era há 20 anos, não olhar para a escola como ela era no tempo da primeira República", exemplifica.

Há, no entender de Carrilho, uma "desadequação das instituições que herdámos às realidades do nosso tempo, o que pode implicar tanto a sua eliminação como a sua reinvenção". Na área da educação, Manuel Maria Carrilho afirma que "a escola reproduz a mesma organização, o mesmo modelo, de há praticamente cem anos". E realça que o lugar ocupado pela educação, na cena política, há cem ou 50 anos "hoje é ocupado pela saúde".

"Tudo hoje é dominado pelo fantasma da saúde", afirma o docente universitário, referindo que tal "se deve em grande parte à ilusão individualista na imortalidade, que vamos viver muito tempo, que temos de viver muito bem. A própria felicidade tornou-se num imperativo mercantilizado incontornável...".

Sobre si e a sua carreira, afirma que sempre teve "contrariedades". "Nada me foi dado na vida, nem eu procurei nunca caminhos fáceis, fosse na política, na universidade ou na vida pessoal (...). Na verdade até gosto de tempos difíceis, são eles que muitas vezes transformam a rotina dos dias em jornadas fantásticas", afirma, para contar em seguida o seu pai, Manuel Engrácia Carrilho, lhe dizia que "sempre gostou do cheiro da pólvora".

Actualmente, depois de 15 anos na política, vive como mais gosta, atesta, e explica: "A ler, a pensar, a escrever, a ensinar", embora ressalve: "Não abdiquei da intervenção política, mas o meu olhar dirige-se mais para outros mundos".

Manuel Maria Carrilho está neste momento a ser julgado em tribunal por violência doméstica contra a sua ex-mulher, a apresentadora televisiva Bárbara Guimarães, em dois processos distintos. Há pouco menos de um ano o antigo embaixador da Unesco foi condenado ao pagamento de uma multa por ter ameaçado de morte uma amiga da antiga companheira.

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