Caquesseitão vendido por 150 mil euros em Paris

Directora-geral do Património sublinha que parecer que recomendava a aquisição pelo Estado português desta peça rara ligada à expansão portuguesa não propunha classificação

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A peça de ourivesaria indo-portuguesa em prata representa um animal mitológico DR

O caquesseitão em prata do século XVII cuja aquisição pelo Estado português tinha sido recomendada por peritos em 2012 foi esta quarta-feira vendido em Paris, por 150 mil euros. Em apenas um minuto e a partir de uma base de licitação de 140 mil euros, o comprador número 0057 adquiriu no leilão da Sotheby’s, em Paris, a peça rara, uma dos únicos sete exemplares conhecidos no mundo.

Descrito pela leiloeira como “um objecto excepcional”, “absolutamente sumptuoso”, o aquamanil do século XVII com ligações à expansão portuguesa em forma de caquesseitão, animal mitológico descrito pela primeira vez por Fernão Mendes Pinto na Peregrinação, foi vendido ao segundo lance, por 150 mil euros - algo aquém das expectativas de venda da Sotheby’s, que estimava que o lote 242 atingisse os 200 ou 300 mil euros. O preço final da venda do aquamanil (um recipiente de água em forma de animal), segundo a Sotheby's disse ao PÚBLICO, foi de 181.500 euros, já incluindo a comissão da leiloeira.

Esta foi a segunda vez que a peça de ourivesaria foi à praça no último ano, tendo estado para venda na Christie’s de Londres em Julho de 2012 sem ter sido arrematada. Em 2012, quando foi pedida pelos herdeiros dos marqueses de Alegrete a expedição definitiva desta peça – que não se encontrava inventariada nem classificada pelo Estado –, um parecer do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) recomendava que o aquamanil em forma de caquesseitão "deveria ser adquirido pelo Estado, sendo, nesse caso, de imediato exposto na exposição permanente" do MNAA.

O então Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) deu a autorização para a saída definitiva da peça, que deveria ser expedida para o Reino Unido tendo como destino a Christie’s, por não considerar prioritária a sua aquisição no cenário de passivo do então IMC (hoje Direcção-Geral do Património Cultural). É preciso não esquecer, lembra Isabel Cordeiro, directora-geral do Património, que o aquamanil que hoje foi à praça não tem uma protecção legal que impeça a sua venda no estrangeiro. Como qualquer bem cultural, precisou, isso sim, de uma licença de exportação que lhe foi concedida no ano passado - tudo dentro da lei.

“É certo que não temos nenhuma peça com estas características nas colecções dos nossos museus, como aliás diz o parecer da técnica do Museu Nacional de Arte Antiga, mas isso não significa que a sua classificação tenha sido feita ou sequer proposta”, diz ao PÚBLICO a directora-geral do Património.

“Podemos argumentar que podia ter sido objecto de classificação e até de uma proposta de aquisição pelo Estado, mas não foi esse o entendimento dos serviços na altura. Temos de respeitar essa decisão e o direito do seu proprietário.”

O aquamanil em prata, datado do século XVII, é uma peça de ourivesaria indo-portuguesa que representa um animal mitológico de pés de pássaro, corpo escamado e cabeça de dragão - o caquesseitão -, sendo descrito no parecer da perita Luísa Penalva, do MNAA, como "uma peça extraordinária" de "importância no panorama da ourivesaria e iconografia portuguesa/oriental". Estas são peças que surgem "sempre no universo da expansão portuguesa", ainda de acordo com o parecer datado de Março de 2012, solicitado pelo IMC na sequência do pedido de saída da peça pelos seus proprietários.

Há registo de apenas sete exemplares deste tipo de caquesseitão no mundo, sendo que resistirão "três ou quatro" em colecções privadas portuguesas, segundo o investigador e avaliador Luís Castelo Lopes, especialista em ourivesaria e autor da catalogação da peça hoje vendida. Não existindo quaisquer peças do género em museus portugueses, há um caquesseitão no Musée National de la Renaissance, em França, pertencente no passado ao barão James de Rothschild. com Lucinda Canelas
 

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