Calou-se a bateria ímpar de Jaki Liebezeit, fundador dos Can

Na música dos icónicos Can, uma das formações mais influentes dos anos 1970 do rock electrónico alemão, o seu estilo de tocar bateria era essencial, vindo a influenciar sucessivas gerações. Jaki Liebezeit morreu aos 78 anos.

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Por norma tende-se a desvalorizar o papel dos bateristas nas formações da música popular, o que é nitidamente uma injustiça em muitos casos. É esse o caso do alemão Jaki Liebezeit, um dos fundadores no final dos anos 1960 dos icónicos Can, que morreu este domingo, aos 78 anos.

Foi através da página do Facebook do grupo que se ficou a saber da notícia. “É com grande tristeza que comunicamos que Jaki morreu esta manhã devido a uma súbita pneumonia”, pode ler-se na missiva. “Morreu pacificamente a dormir, rodeado de todos os que o amavam.”

Era um baterista ímpar. Começou por tocar em formações de jazz antes de fundar os Can na companhia do teclista Irmin Schmidt, do guitarrista Michael Karoli e do baixista Holger Czukay. Ao longo dos anos foram diversos os vocalistas que fizeram parte de um grupo que esteve quase sempre à frente dos seus pares contemporâneos dos anos 1970. Desde o início que a sua música não se coadunava com os parâmetros vigentes na época do rock, experimentando com sintetizadores, técnicas de colagem, electrónica e dinâmicas rítmicas.

Com excepção do sucesso do single I want more (1978), lançado na altura em que davam sinais de separação, mantiveram-se sempre como banda de culto, um pouco à semelhança dos mais relevantes grupos alemães dos anos 1960 e 1970, conotados com o krautrock ou com as electrónicas experimentais (Neu!, Cluster, Faust, Harmonia, Tangerine Dream ou Kraftwerk), que haveriam de marcar as gerações futuras ligadas aos mais diversos géneros musicais. Os Can estrearam-se em 1969 e até 1978 gravaram mais de uma dezena de álbuns, sempre com Liebezeit na bateria, explorando diferentes estruturas, texturas e ritmos.

Mais citados, do que propriamente ouvidos, os Can são um daqueles casos em que a sua ascendência, em particular a dimensão rítmica metronómica da sua música, pode ser aquilatada no pós-punk, no hip-hop ou na música de dança. Em 2010, numa entrevista a Holger Czukay, este confessava-nos que os Velvet Underground haviam sido uma grande influência para os Can – “Tinham uma forma de tocar meio dissonante, não eram grandes músicos ao princípio, mas tinham paixão e eram obsessivos com as ideias. Os Can também tinham isso. Foi com eles que percebemos que podíamos ser uma banda rock”, dizia então – e que Jaki havia sido um membro fundamental no grupo. “Jaki era, talvez, o melhor de nós. Acabou por ser ele a estabelecer um padrão rítmico que nos influenciou decisivamente e que nos conduziu ao rock.”

Era talvez rock. Mas era rock longe dos formatos reconhecíveis. Não espanta que a sua música tenha influenciado sucessivas gerações de melómanos e de músicos – do pós-punk (Public Image Limited, The Fall, Wire), às sonoridades mais industriais (Cabaret Voltaire, Einsturzende Neubauten), passando pelo renascimento do pós-punk e da música ‘disco’ nos anos 2000 (de LCD Soundsystem a Lindstrom) ou à música portuguesa actual (Sensible Soccers, Ghost Hunt).  

Depois do fim dos Can, Jaki Liebezeit não parou, tendo gravado com Brian Eno (Before and After Science), nos álbuns a solo de Michael Rother dos Neu!, tendo colaborado também em projectos de cariz mais pop como aconteceu com os Depeche Mode e Eurythmics, e formado grupos de percussão (Drums Off Chaos e Club Off Chaos). Ao longo dos anos também não faltaram os álbuns de colaboração, nomeadamente com Robert Coyne, Holger Mertin, Jah Wobble, Hans Joachim Irmler e, especialmente, com Burnt Friedman (Nonplace Urbanfield, Flanger).

Tocou em Portugal por mais de uma vez, com Burnt Friedman, e em Outubro último apresentou-se no festival Out.Fest do Barreiro, na companhia de Hans-Joachim Irmler, fundador dos Faust. Em Abril estava previsto que Jaki Libezeit, na companhia de Irmin Schmidt e Malcolm Mooney (um dos vocalistas que passou pelos Can) se reunissem num espectáculo intitulado The Can Project.

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