Bruxelas contra a pirataria na net: como e quando?

É indispensável que se perceba que a Europa lida com este fenómeno e precisa de encontrar uma ágil e inteligente resposta para ele.

O fenómeno da pirataria é uma realidade sombria e constrangedora da vida cultural contemporânea, sobretudo na era do digital que tudo agiliza e faz circular a um ritmo difícil de prever e controlar. Os impressionantes avanços da tecnologia reforçaram em amplas camadas da população a ideia de que a gratuitidade está ao alcance de todos, sendo, ela própria, o resultado das próprias conquistas tecnológicas. O avanço da pirataria nas suas diversas formas e conceitos tem-se traduzido num prejuízo real para criadores e artistas e, naturalmente, para a indústria que produz e difunde as suas obras. Sempre que alguém tem a livre fruição de uma obra protegida sem pagar o que é justo e devido pela sua utilização, esse processo representa a diminuição das condições que asseguram aos criadores e difusores das obras o direito de continuarem a viver do labor criativo, o que é injusto, tanto do ponto de vista cultural como do estritamente económico.

Pelo mesmo motivo, é inadmissível que conteúdos informativos e culturais que representam um forte investimento dos operadores industriais seja fruído como mero suporte para a divulgação de publicidade, o que deixa esses operadores numa situação de fragilidade e vulnerabilidade que pode mesmo vir a pôr em causa a continuidade do seu negócio e da sua estratégia de desenvolvimento e comunicação.

O tempo que a Europa e o mundo vivem exige uma atitude e uma intervenção diferentes no que diz respeito à forma de se lidar com a pirataria e com o modo como opera e tenta legitimar-se. Há anos que as sociedades de autores europeias exigem à Comissão Europeia uma nova estratégia neste domínio. A atitude tem sido frequentemente passiva e tolerante, sobretudo devido à acção dos chamados “partidos piratas” que, em nome de conceitos de acessibilidade plena aos conteúdos em circulação, mais não fazem do que tentar legitimar a livre apropriação e uso dos conteúdos protegidos.

Agora, a Comissão Europeia decidiu anunciar uma política de “follow the money”, que só pode ter como expressão efectiva o corte de fontes de receita que viabilizem a existência de “sites” piratas. E é tempo de os operadores que, neste processo, têm a lei do seu lado se libertarem dos discursos auto-desculpabilizadores que se traduzem num sistemático pedido de desculpas, como se, porventura estivessem a prejudicar os consumidores em vez de serem prejudicados por frequentes práticas ilegais. Para que este novo procedimento de uma Bruxelas cada vez mais lenta e burocrática tenha a desejada eficácia é urgente que se envolva nesta nova estratégia o amplo leque dos detentores de direitos, mas também os publicitários, as associações de consumidores e os serviços de pagamentos. Se a meta temporal desta acção aponta para a Primavera que se aproxima, é importante que se diga que o tempo disponível é já demasiado curto e condicionado, tendo em conta a mentalidade dos que praticam os actos de pirataria.

Para além do envolvimento daqueles operadores, com os seus diferentes e complementares níveis de responsabilidade, impõe-se a adopção imperiosa de medidas sem as quais a mera redução dos suportes que viabilizam a existência de “sites” piratas será forçosamente limitada e mesmo ineficaz. Em simultâneo, deverá existir uma prática de divulgação dos serviços de consumo legal na Internet, para que ninguém possa entrincheirar-se no mero desconhecimento para dizer que agiu desse modo e não de outro por falta de pistas correctas.

Nesse sentido, deve a Comissão Europeia adaptar, com a desejável celeridade, a legislação do direito de autor/copyright à nova realidade digital que Bruxelas tenta compreender e ajustar à complexidade dos países que a integram. Essa acção exige o esforço conjunto de vários comissários. Ao mesmo tempo, impõe-se, por parte da Comissão Europeia, uma acção no sentido de “europeizar” verdadeiramente o mercado em que esta realidade sempre mutável se integra.

Por outro lado, as excepções devem ser consideradas, mas nunca numa lógica demasiado teórica e paralisante. O mercado deve ser justo, promover os equilíbrios entre os consumidores, os criadores e as indústrias, mas sem nunca esquecer o essencial e sem o subordinar ao que é acessório e volátil.

Ao mesmo tempo, nunca a Comissão Europeia, a braços com as tensões, conflitos e interesses representados pelos países e realidades que abarca, deve deixar de ter o combate à pirataria como uma prioridade concreta a que não pode renunciar ou subalternizar.

Esta estratégia exige que se pense o fenómeno da pirataria, tanto a nível tecnológico, como económico e sociológico a médio e longo prazo, como se pudesse haver a ilusão de que as tensões actuais são fugazes e não deixarão cicatrizes profundas e por vezes não devidamente cicatrizadas.

Por muito que haja visões diferentes sobre este assunto, de acordo com os países e o peso que o fenómeno neles tem, é indispensável que se perceba que a Europa lida com este fenómeno e precisa de encontrar uma ágil e inteligente resposta para ele, sem nunca perder de vista o que deve ser uma visão bem articulada que ultrapasse o circunstancialismo das abordagens feitas somente à medida das conveniências passageiras.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores

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