Bollywood assume tom social

Um dos mais recente filmes indianos, WC: Uma História de Amor, apela à importância do saneamento num país onde mais de 500 milhões pessoas vivem sem casa-de-banho. O carácter social caracteriza a nova geração de realizadores.

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Bollywood é conhecida pelos seus cenários coloridos e números de dança que personificam o amor e os valores tradicionais da sociedade indiana, mas estamos a assistir a uma mudança: a nova geração de realizadores começa a utilizar a alegria característica para denunciar os problemas do país. Um dos mais recentes filmes da indústria cinematográfica indiana, lançado a 11 de Agosto, retrata a atitude de tolerância que começa a existir na Índia. Pela primeira vez, é abordado um assunto que não é tão glamoroso quanto as produções a que Bollywood nos tem habituado: a falta de saneamento básico. Toilet: Ek Prem Katha (traduzido para português WC: Uma História de Amor), tal como o título sugere, é uma história de amor com um eloquente apelo à sociedade indiana que tem a defecação a céu aberto como uma das maiores mazelas da comunidade.

Um tópico tabu num país onde, segundo a BBC, mais de 500 milhões de pessoas vivem sem saneamento adequado, o que leva a que milhares morram por ano devido a doenças transmitidas por dejectos humanos. Mas esta não é apenas uma questão de higiene e de saúde pública, para as mulheres trata-se de segurança.

Em entrevista à AFP, os realizadores Siddharth Singh e Garima Wahal confessaram que durante o processo de pesquisa para o filme descobriram uma realidade que até então desconheciam: o abuso de mulheres quando saem para o campo durante a noite. Garima salientou ainda a hipocrisia da sociedade indiana que lhes pede que se cubram de roupas, mas que depois as força a exporem-se devido à falta de instalações sanitárias.

WC: Uma História de Amor é inspirado na história verídica de um casamento desfeito pela falta de condições de saneamento na habitação onde o casal vivia, numa aldeia numa zona rural da Índia. O actor Akshay Kumar, um dos mais solicitados de Bollywood e que mais recebe a nível mundial, de acordo com o ranking da revista Forbes publicado no ano passado, interpreta Keshav, o aldeão que casa com Jaya, uma mulher de classe média habituada a ter uma retrete.

Jaya recusa-se a usar a rua como WC, sobretudo na companhia das demais aldeãs. O desconforto perante a realidade daquela comunidade leva-a a sair de casa com a condição de voltar somente se existir uma sanita na habitação do casal. Determinado em recuperar a mulher e incentivado pelo seu pai, Keshav move mundos e fundos em defesa da existência de saneamento na aldeia onde mora.

O problema tem sido uma das prioridades do Governo do primeiro-ministro Narendra Modi, que tem como objectivo eliminá-lo até 2019. Ainda de acordo com a BBC, o país tem investido em campanhas e em infraestruturas de saneamento básico, principalmente nas aldeias do Sul. Em declarações à televisão britânica, Anil Prajapati, presidente da Organização para o Desenvolvimento Sanitário de uma dessas aldeias, afirma que o investimento feito nos últimos anos não tem tido resultado e que as pessoas continuam a não utilizar as infra-estruturas públicas de saneamento. Dado o insucesso da campanha e a proximidade da narrativa com uma das prioridades do primeiro-ministro, a crítica cinematográfica sugere que o filme faz parte da estratégia de propaganda pró-governo.

Apesar dos reveses da campanha, a nova produção tem levado enchentes às salas de cinema de todo o país. Desde a estreia, a longa-metragem já arrecadou mais de 154 milhões de euros em receitas de bilheteira.

WC: Uma História de Amor não é o único filme a abordar tópicos tabus. A nova geração de realizadores começa a contrapor-se aos preconceitos da Índia mais conservadora e assume-se como denunciadora dos problemas sociais indianos. Saneamento, disfunção eréctil, higiene menstrual, emancipação da mulher e abusos sexuais são os novos tópicos dos filmes de Bollywood.

No próximo mês estreará Shubh Mangal Saavdhan (em português Tu, Eu e Tudo Que Está Entre Nós), uma obra que rompe com a tradição de os filmes indianos terem heróis masculinos como personagem principal. Aanand L. Rai, um dos realizadores, assume a denúncia das mazelas da sociedade como um dever da sua profissão. Uma tarefa que, diz, tem sido facilitada pelo facto de o público estar a ultrapassar o medo de que as influências ocidentais, principalmente a atitude aberta em relação ao sexo, diluam a cultura e a moral indianas.

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