Batman vs. Super-Homem, ou a crítica vs. os fãs – e a tristeza de Ben Affleck

O blockbuster é "o Donald Trump dos filmes de comics" e a maior estreia mundial de super-heróis – em Portugal, é a segunda estreia do ano. A crítica e os fãs estão outra vez distantes e Affleck já é um meme.

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A crítica não gostou de Batman vs. Super-Homem, Ben Affleck está triste com isso num vídeo popularíssimo e o filme continua a arrebanhar centenas de milhões nas bilheteiras. Nos últimos dias, é esta a história em torno da estreia de um dos grandes blockbusters do ano – contam-se espingardas no fosso entre a crítica e o público, a Internet brinca e as máquinas registadoras continuam a tinir. Este “é o Donald Trump dos filmes de BD” ou “uma tempestade perfeita” que envolve o ponta-de-lança de uma batalha entre estúdios?

Ben Affleck, o actor que depois de ter ganho um Óscar de Melhor Filme foi trucidado pela Internet quando foi anunciado como o novo Batman, ouve o jornalista falar sobre as más críticas de Batman vs. Super-Homem. Henry Cavill, o Super-Homem, reage com um discurso que nem ouvimos porque Simon e Garfunkel começam a interpretar The sound of silence enquanto a câmara se aproxima de Affleck, silencioso e pesaroso, e que no final da resposta do seu co-protagonista só diz: “Concordo”. Nas primeiras 48h de vida da paródia do utilizador Sabconth à entrevista do Yahoo UK, o vídeo foi visto mais de um milhão de vezes. À hora de publicação desta notícia ultrapassa os 18 milhões de visualizações e já gerou versões infindas com outras músicas (como Atmosphere, dos Joy Division) ou com Affleck ladeado por colegas super-heróis muito mais felizes – Capitão América, Deadpool

Este último é responsável pela melhor estreia de 2016 em Portugal: um título tido como o antifilme de super-heróis que chamou aos cinemas 112 mil espectadores, segundo dados do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA). Batman vs. Super-Homem fica-lhe pouco atrás, na segunda posição, com 100 mil espectadores de acordo com a mesma fonte oficial (a NOS, a sua distribuidora, reclamou segunda-feira para o filme o título de “melhor fim-de-semana de abertura de sempre de um filme de super-heróis” – contudo, os 20 mil espectadores que divulga a mais em relação aos números do ICA incluem a estreia em Portugal mas também as de Angola e Moçambique). No mundo inteiro, e até domingo, o filme tinha já arrecadado 378 milhões de euros. É a maior estreia mundial de sempre na bilheteira de um filme de super-heróis.

Batman vs. Super-Homem é o “tipo de filme”, diz o crítico de cinema do PÚBLICO Jorge Mourinha, “que não está tão dependente de uma aprovação da crítica para fazer sucesso”. Está acompanhado por inúmeros êxitos de bilheteira mais ou menos recentes, dos Crepúsculos aos Transformers, passando pelo quarto Indiana Jones ou pelo terceiro Homem-Aranha e mesmo pelo mais antigo Ghost Rider, que não foram elogiados pelos críticos nem particularmente reconhecidos pelo público que vota em sites como o Rotten Tomatoes.

Uma das críticas mais citadas é a de A.O. Scott no New York Times. Um homem que não gostou de Os Vingadores de Joss Whedon, uma adaptação bastante mais elogiada, mas que teve como amor de infância e empatia de adulto Star Wars, e que considera que o filme é como “as alegações iniciais de um julgamento muito longo”; “Snyder usa significantes de importância sem ter nada de importante para dizer”; “o entretenimento é mais um subproduto do que o objectivo”.

Já na Variety, Ramin Setoodeh escreve, na tal alegoria em que Batman vs. Super-Homem é o Trump deste tipo de filmes, “que não há má imprensa que impeça um candidato fracturante de se tornar uma história de sucesso imparável” (na imprensa americana, as referências a Trump, o candidato a candidato republicano à Casa Branca que apesar de ser alvo de muitas críticas e de casos nos média continua a parecer dar voz ao descontentamento público, são muitas sobre o contexto deste caso). E o crítico e fã de comics Alex Abad-Santos considerou no Vox que o filme “é um crime contra quem gosta de comics”.

O crescendo de crispação entre o que o público considera – e paga para ver – e o que a crítica defende tem-se agravado. No Metacritic, o agregador de críticas de profissionais e votos do público, a média da imprensa é de 44 (mista) contra 7,4 dos espectadores (favorável), respectivamente; no Rotten Tomatoes, só 28% dos críticos gostaram, contra 72% do público. No caso de Star Wars: Despertar da Força, e a avaliar pelas mesmas plataformas, a crítica gostou mesmo mais do filme do que os fãs, e com percentagens muito elevadas. O homem-morcego e o homem de Krypton serão então só o mais recente exemplo da “guerra cultural entre a imprensa e o público”, como diz Setoodeh?

Jason Momoa, o próximo Aquaman, sugeriu que era “hipócrita” criticar filmes destes quando não se é um fanboy. Mas nos sites de fãs ou especializados no universo dos comics e dos super-heróis as notícias sobre o tema também são seguidas de comentários com acusações de “haters” ou de parcialidade. Como recorda o Guardian, há fãs que acusam os críticos de estarem a soldo da Marvel Studios (da Disney). O filão dos super-heróis é tão rentável que se tornou numa luta corporativa.

“A Warner está há anos a tentar erguer uma barreira contra a Marvel [Studios] e este filme tem o peso de ser a pedra basilar dessa estratégia”, contextualiza ainda Jorge Mourinha sobre a transferência para o cinema da rivalidade de papel entre a Marvel (X-Men, Quarteto Fantástico, Vingadores, Demolidor, Jessica Jones), comprada pela Disney, e a DC Comics (Aquaman, Flash, Arrow, Gotham), cujos direitos cinematográficos estão com a Warner.

A polémica surge numa “tempestade perfeita”, diz o crítico português, criada também pelos “observadores que querem que estes filmes sejam levados a sério” (na esteira, no caso da Warner, dos Batman intelectualizados de Christopher Nolan), e por uma “indústria que quer o público do entretenimento descartável sem abdicar do público mais adulto”. Ainda assim, o responsável pela distribuição na Warner, Jeff Goldstein, disse aos jornalistas que o filme “não se leva a sério”.

A isto junta-se a “obsessão pelos números  os filmes medem-se mais pelo dinheiro que fazem do que pela sua qualidade”, aponta Jorge Mourinha. Nesse campo, o filme parece ter um desafio à altura dos superpoderes dos seus protagonistas. Foi a quinta maior estreia de sempre nos EUA, mas a Variety noticia que o filme terá custado 250 milhões de dólares a fazer e mais 150 milhões a promover, pelo que terá de recuperar o investimento com receitas de bilheteira (e vendas de direitos televisivos, home video ou merchandising) acima dos 400 milhões, com o número de 800 milhões a ser mencionado pela revista especializada.

Para Michael Cavna, crítico de BD e ilustrador, tudo se resume a “branding”, escreveu no Washington Post. “Hollywood é brilhante a vender-nos um nome que já reconhecemos. Uma familiaridade calorosa pode calar muita crítica." Ou, nas palavras do analista do sector Paul Dergarabedian, “as críticas não importam. O Batsuit e a capa do Super-Homem são feitos de teflon”. No primeiro fim-de-semana, os fãs dos comics ou dos anteriores filmes das personagens são uma espécie de garantia nas salas. Batman e Super-Homem são uma marca, como os remakes são a recuperação de nomes que reconhecemos, ou as sequelas e os spin-offs. O embate entre ambos, além de ser uma história de culto nos comics, é um convite à ida ao cinema.

Depois do pico da estreia, os bilhetes destes filmes continuam a vender-se a quem quer ir ver o mais recente filme de efeitos especiais e aventuras – os espectadores gostarão mais ou menos, mas se os números dos primeiros dias em Portugal são de top, Batman vs. Super-Homem: O Despertar da Justiça estreou-se em 122 salas e no mesmo período fez menos espectadores do que Deadpool, que estava em apenas 64 salas, assinala o Cinemax da RTP. E se a estreia mundial foi fulgurante, a Forbes já cita números que podem ser preocupantes para o futuro, monetariamente falando, do filme: fracos resultados no importante mercado chinês e, sobretudo, a maior quebra de sempre (55%) de um filme de super-heróis entre as sessões de sexta-feira, as primeiras, e as de domingo.

Houve a Páscoa, sim, mas a queda nos números “aponta para a infeliz probabilidade de, fora os fãs da DC Comics, os públicos norte-americanos não gostarem muito do filme”, arrisca a revista, que num outro artigo cita fontes anónimas do sector que falam em boas vendas de bilhetes para visionamentos repetidos.

Segunda-feira foi um dia bom para o filme, apesar de também em queda, e os analistas consideram que Batman vs. Super-Homem vai continuar a ter sucesso. “As boas críticas sustentam um filme” na “quarta ou quinta semana", como descreve o analista de bilheteiras Jeff Bock, e elas são uma raridade. O efeito do passa-palavra pode determinar quão grande será o desfasamento entre os números, as críticas e as opiniões dos fãs nesta história. 

 

Notícia corrigida às 7h44 de 30 de Março: Quarteto Fantástico pertence à Marvel e não à DC

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