Até sempre, Machado da Graça

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Manuel Roberto

João Machado da Graça morreu esta semana. O meu “mujica africano”, como carinhosamente o tratava, tinha 70 anos de idade. Ele foi o nosso outro pai na Associação Cultural da Casa Velha, em Maputo, Moçambique, onde no tempo da guerra e da fome nos alimentávamos com literatura, fotografia, teatro, dança, música, cinema, vídeo ou pintura. E, ainda mais importante, foi lá que ele nos atulhou com grandes valores humanistas. Éramos todos uns pelos outros e o Machado o nosso mentor.

João Machado da Graça foi um homem de muitas facetas. Foi jornalista, dramaturgo, actor, encenador, cenógrafo, produtor, motorista dos seus actores, artista plástico, ilustrador, respigador ou reciclador. Nos duros anos da guerra civil foi ele quem me inspirou para novas visões da cultura. Foi ele quem me abriu as portas ao Humanismo Moderno, como mais tarde vim a perceber, julgo eu, já nas aulas de filosofia em Portugal. 

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João Machado da Graça Manuel Roberto

O Machado da Graça era um homem de sete ofícios no mundo das artes e era também um homem de valores e de causas. Tenho muitos irmãos casavelhanos imbuídos desse espírito de inconformismo e verticalidade, porque frequentámos uma das melhores universidades do mundo – A Casa Velha, que era naqueles tempos um “antro” de irreverência no qual Machado da Graça fazia o papel de reitor. Muitos jovens como eu encontravam naquela casa um sentido e uma saída para o mundo. A bondade de Machado da Graça não tinha limites e era proporcionalmente inversa às injustiças, em relação às quais era implacável nas atitudes e nas suas crónicas, enquanto jornalista. Era um caótico muito bem estruturado. 

A sua principal obra foi ter feito, com o seu exemplo, homens a partir de muitos jovens como eu. Até por isso, não se pode dizer que Machado morreu. A sua luta não foi em vão. Deixou raízes nas vidas dos muitos que, como eu, tiveram o privilégio de o conhecer.

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