Em Israel, artistas e directores de museus processam ministra da Cultura

Desde 2015 que Miri Regev tem tomado medidas repressivas contra os artistas israelitas, aprovando cortes no financiamento de todos os que critiquem o governo.

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Miri Regev tornou-se Ministra do Desporto e da Cultura em 2015 REUTERS/Dan Balilty/Pool

Brigadeiro-general do exército israelita, Miri Regev tornou-se ministra do Desporto e da Cultura de Israel em 2015, quando foi escolhida para assumir o cargo no governo do presidente Benjamin Netanyahu. Ameaçou desde logo cortar o financiamento aos artistas desleais ao Estado, tendo imposto em Fevereiro a lei do “teste de lealdade”, que impede ou limita o apoio público àqueles que desonrem os símbolos de Israel, lamentem as perdas humanas e materiais dos palestinianos em vez de celebrar a independência do país ou questionem Israel como um estado judaico e democrático. O clima de repressão do último ano levou agora a que um grupo de artistas, directores de museus e professores de arte israelitas processasse a ministra, segundo avançou esta quarta-feira o jornal norte-americano The Art Newspaper.

A acção judicial invoca a lei da informação e exige que o Ministério da Cultura e o Conselho Israelita de Cultura e Arte revelem os critérios em que se baseiam para agendar reuniões com os agentes e tomar decisões. As políticas de Regev atentam contra “as instituições culturais que dependem sobretudo de financiamento público”, disse ao The Art Neswspaper uma das assinantes da petição, que não quis ser identificada. Outro apoiante da petição é o escultor Dani Karavan, que vive entre Telavive e Paris e pediu recentemente ao Knesset, o parlamento israelita, que retirasse ou cobrisse o seu trabalho Pray for the Peace of Jerusalem (1966), num protesto pró-democracia. O Parlamento não respondeu. “Os artistas expressam menos as suas opiniões porque têm medo de entrar em conflito com o governo”, disse Karavan ao jornal norte-americano.

Também o artista e professor Larry Abramsom critica a política cultural do governo de Netanyahu. Em Julho, demitiu-se da Shenkar College, instituição de artes onde ensinava, depois de um estudante, Yam Amrani, ter sido obrigado a remover de uma exposição a pintura de uma figura feminina nua cujas feições lembravam a ministra da Justiça, Ayelet Shaked. “Infelizmente, [os estudantes e jovens artistas] vão começar a enfrentar restrições cada vez maiores da sua liberdade de expressão durante os próximos anos”, disse Abramsom. A directora da faculdade, Yuli Tamir, antiga ministra da Educação, disse na altura que não tinha problemas com trabalhos políticos, mas que aquele humilhava as mulheres e invadia a privacidade de uma figura pública. “Quando artistas, curadores e directores de instituições artísticas escolhem previamente evitar assuntos polémicos, é porque desistiram de lutar pelo progresso e sacrificaram os seus valores mais prezados ao conforto e à segurança dos subsídios do Governo”, argumenta ainda Abramson.

Mas a vida dos artistas não tem sido fácil desde que Miri Regev tomou conta da pasta da Cultura e decidiu enveredar por uma política de “justiça social” assente na crença de que a distribuição actual dos recursos culturais discrimina certos grupos da sociedade israelita. Regev pode ter razão quando afirma que o financiamento público vai frequentemente para instituições sediadas em Telavive e que os recursos muitas vezes não chegam às comunidades situadas fora da periferia. No entanto, segundo escreve Yossi Dahan, director do departamento de Direitos Humanos do College of Law and Business na revista 972 Mag, a defesa da distribuição igual de recursos pela população judaica de Israel “também inclui o direito dos indivíduos e grupos culturais a criarem livremente e a disfrutarem de cultura”. Dahan afirma ainda que a ideia de “justiça social” inclui a liberdade de expressão artística que a ministra tem vindo a tentar impedir ao promover uma cultura “dócil” e “inferior”.

Miri Regev defende a “liberdade de financiamento”, ou seja, a autoridade do Ministério da Cultura para decidir quais obras de arte e instituições merecem o financiamento público. Nessa lógica, tentou retirar os fundos dados ao teatro Arabic Al-Midan por não gostar de uma das suas peças, exigiu ter uma palavra a dizer nas músicas emitidas pela rádio pública e um lugar cativo nas reuniões do canal público que ainda não foi para o ar. Cortou o financiamento da Ópera Israelita e ameaçou, ainda, reduzir o apoio às instituições culturais que não actuem nas posições judaicas da Green Line (a linha que demarca os territórios de Israel e os dos vizinhos Egipto, Jordânia, Líbia e Síria, estabelecida em 1949 e actualmente sem valor legal). Chegou, até, a insultar os artistas de “ingratos” e “instigadores”.

Em 2015, a organização de direita Im Tirtzu condenou alguns artistas israelitas por simpatizarem com as políticas da esquerda, como a actriz Gila Almagor, os escritores Amos Oz e David Grossman e a cantora Chava Alberstein, entre outros. Na altura, a acção foi criticada internacionalmente.

Em Janeiro deste ano, já com a guerra entre a ministra e a comunidade artística mais do que declarada, Itamar Gurevitch, director do Fórum de Instituições Culturais (que representa mais de cem instituições culturais do país), disse ao The Israel Times que Regev tinha boas intenções, mas “nenhuma experiência, tal como a sua equipa” e que a rapidez das mudanças estava a ser “problemática”. A própria ministra chegou a admitir numa entrevista ao jornal israelita Yisrael Hayom que tem pouco background cultural: nunca tinha lido Tchékhov, não via peças de teatro em criança.

Em entrevista no início deste mês ao jornal brasileiro O Globo, Miri Regev foi questionada sobre a relação da sua carreira militar com o posto da Cultura e afirmou que “os ministros em Israel não são profissionais do tema com que lidam, mas políticos que reúnem equipas que conhecem bem o tema”. Regev sublinhou também o pluralismo das suas políticas culturais, que quer aplicar a toda a população independentemente da geografia ou da religião: “Faço uma reforma para levá-la a locais mais distantes, para que os seus artistas também tenham oportunidades."

Miri Regev defende o aumento de financiamento para os bairros judaicos mais pobres e a promoção da cultura judaica no Médio Oriente, mas também concorda com a atribuição de mais financiamento do Estado ao sector árabe. Os artistas, por seu lado, continuam a contestar as suas medidas repressivas e a apelidá-la de “ministra anti-cultura”, como disse Ayman Odeh, director da Joint List, uma aliança de partidos árabes, ao The Art Newspaper.

Texto editado por Inês Nadais

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