Arquitectura Like

Na arquitectura Like tudo é evento, tudo é acontecimento: são as lectures, os workshops, os appointments, o work-in-progress e, claro está, os awards. O arquitecto torna-se o assessor de imprensa de si próprio.

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Bjarke Ingels a desenhar DR

Ciclicamente, a minha mailbox é invadida por solicitações de colegas para votar online nos mais diversos prémios de arquitectura.

O pedido é sempre feito em jeito de newsletter pelo próprio preponente e reza normalmente qualquer coisa como isto: “Caro colega, O nosso edifício foi seleccionado para o ArchiXYZ Award, que é o mais importante/famoso/prestigiado prémio de arquitectura online, cujo site tem n milhões de visitas diárias. Ajude-nos a ganhar votando...”

A verdade é que, quer pela militância, e, quero acreditar, pela qualidade, muitas destas candidaturas chegam a bom porto e ganham uns prémios do tipo Building of the Year ou Best Design Award, que depois, por sua vez, se convertem em Likes, Shares e Follows na economia Facebook.

À já vasta panóplia de prémios institucionais existentes, junta-se-lhe agora toda uma indústria de galardões e louvores gerados na esfera das redes sociais. Entre muitos, existe um, com ressonâncias de Eurovisão, denominado WAF (World Architecture Festival). Outro, capitalizando num estilo mais CNN, que dá pelo nome de WAN (World Architecture News), e outro ainda, um pouco mais Daily Mail (ou talvez Correio da Manhã), chamado ArchDaily.

Tudo isto faz parte de uma nova fenomenologia do digital em que o sucesso da arquitectura consiste, não na sua fruição física enquanto visitante, mas na exclusiva experiência visual e estática da imagem e na economia da sua própria reprodutibilidade nas redes. Há muito sabemos que esta celebração digital da arquitectura estava destinada a acontecer. Preocupa-me, porém, que o meio se acabe por tornar num fim em si mesmo, porque antecipo em termos disciplinares a perversidade que lhe está implícita. Antecipo a progressiva secundarização do habitar a favor do crescente domínio da sedução gráfica e fotogénica do objecto, cedendo cada vez mais ao universo da publicidade.

Recordo o tradicional pudor das profissões liberais em publicitar os seus méritos face aos colegas e as nocivas consequências dessa liberalização - desde logo nos advogados da chamada litigation society americana. Para os arquitectos, este tipo de agressividade comercial seria há tempos atrás impensável mas, no “campo expandido” da internet, para usar o termo seminal de Rosalind Krauss, a arquitectura encontra novos territórios e novas regras.

Há em Portugal um jovem atelier portuense que justamente apostou em força neste imaginário Facebook ao ponto de vestir a camisola da marca. Chamam-se LIKEarchitects e assim tem divulgado brilhantemente o seu percurso, cuja eficácia visual, fundada entre a instalação e a arte performativa, tem-nos levado a inesperados palcos internacionais. Existem outros níveis de subtileza na arquitectura Like, como demonstram os não menos talentosos Fala Atelier, cujo site comunica solenemente: “Fala was commissioned the renovation of an 18th-century apartment in Chiado.” Sendo a maior parte do Chiado do séc. XVIII e abundante em apartamentos a serem renovados, custa-nos a crer que isto pudesse ser notícia mas, na arquitectura Like tudo é evento, tudo é acontecimento: são as lectures, os workshops, os appointments, o work-in-progress e, claro está, os awards. O arquitecto torna-se o assessor de imprensa de si próprio. Porém, nada disto é eticamente censurável, ao contrário do que a implícita falta de pudor faria sugerir. Faz tudo parte de um jogo à luz de novas regras cujo objectivo é gerar a máxima visibilidade, na expectativa que esta por sua vez gere sucesso e oportunidades.

Existe uma longa tradição publicitária no modernismo, desde logo em Le Corbusier. Nada porém se compara à virilidade e erotismo do imaginário contemporâneo dos jovens spin-offs de Rem Koolhaas. Figuras como Bjarke Ingels, Prince-Ramus ou Fernando Romero são fenómenos de sucesso internacional sem precedentes. Com uma enorme vitalidade, ganham concursos aos velhos mestres e os seus projectos são apresentados como soluções clarividentes, descomplexadas e dinâmicas.

Recentemente no site Dezeen, Bjarke Ingels construía toda uma teoria sobre a arquitectura a partir do videojogo Minecraft, ilustrando-a com os desenhos feitos no chão, meio caminho entre uma produção de moda para a Vogue e uma evocação coreográfica das épicas aulas de Niemeyer. Do sound byte ao sound built, Ingels vai-se posicionando cada vez mais como um sério candidato ao prémio Pritzker. Curricularmente falta-lhe ainda um projecto humanitário mas, como diria o príncipe Fabrizio no Gattopardo, estamos certos que o fará em breve.

Mas será que toda essa geração que fica para trás - incapaz ou indisponível para existir no Facebook -, se tornou irrelevante e destituída de interesse face ao ímpeto mediático destes novos protagonistas? “Aquele que tem algo a dizer, que se chegue à frente e fique em silêncio.” Recordo aqui a frase lapidar do ensaísta e poeta vienense Karl Kraus, que inspirou Kenneth Frampton a identificar a ideia de silêncio (“the Krausian gap”) na obra notável de José Paulo dos Santos. No final, a pergunta que me interessa aqui fazer a todos os meus colegas é, se acham ainda possível uma ideia de silêncio na disciplina, ou se o futuro da arquitectura fica para sempre à mercê daquele contador de Likes na infernal máquina de Zuckerberg?

Arquitecto em Doha e Lisboa

 
 

 

 

 

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