Ângelo, adulto na guitarra e ainda a crescer no resto

Ângelo Freire confirmou no CCB as suas exímias capacidades na guitarra portuguesa, mas também que tem muito por onde crescer, sobretudo na voz

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Ângelo Freire no CCB com a sua guitarra Rui Bandeira/Sons em Trânsito
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Ângelo Freire num momento em que trocou a guitarra pela voz Rui Bandeira/Sons em Trânsito
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Com Ana Moura Rui Bandeira/Sons em Trânsito
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Com Carlos do Carmo Rui Bandeira/Sons em Trânsito

Primeira boa notícia: Ângelo Freire, um jovem guitarrista de 27 anos (fará 28 no dia 19 de Fevereiro), esgotou a lotação do Grande Auditório do CCB na noite de 15 de Fevereiro. Segunda boa notícia: foi aplaudido de pé no final do espectáculo, como sinal de reconhecimento público do seu talento. Terceira boa notícia: esse talento tem muito por onde crescer. Catalogá-lo já como “um génio” é perigoso: equivale a arrumá-lo numa prateleira, como se o quisessem enfiar num frasco embebido em formol. E há gente que adora fazer isto, uns por sincera devoção, outros pelos piores motivos.

Dito isto, Ângelo Freire é, na guitarra, um caso sério. Expressivo, ágil, lírico ou ousado a “falar alto” nos tempos certos, ele confirmou (a quem já o conhecia destas lides) que a guitarra é, verdadeiramente, a sua voz. É através dela que sentimos o que ele sente; ou que podemos entender, sem rodeios, o que ele nos quer transmitir. Já a outra voz, física, que Ângelo usa para cantar, fica aquém dessa exigente bitola. Como fadista, se quiser continuar a sê-lo, ele precisa de fixar nela algo que o distinga, que lhe dê uma expressividade próxima da que consegue na guitarra; já como cantor extra-fado, as suas interpretações soam demasiado ligeiras, no que, pelo menos no CCB, não foram ajudadas pelos arranjos, por vezes de uma incompreensível banalidade.

O arranque do concerto mostrou Ângelo Freire no seu melhor. Nos tempos lentos ou rápidos, no trinar da guitarra em tons fadistas ou nas incursões por outros territórios (onde haviam de misturar-se a pop, o jazz, e mais tarde o bolero ou o tango), ele mostrou-se à altura das melhores expectativas. E foi, por isso, justamente aplaudido. Depois, mudou de registo e, como cantor, acercou-se da canção romântica, que não é decididamente o seu forte. Primeiro num tema seu e depois em Mar menor, de José Luís Tinoco, com letra de António Lobo Antunes, desceu a fasquia das prestações anteriores. Voltou a subi-la com Ana Moura, primeira convidada da noite, em Tens os olhos de Deus e No Expectations, dos Rolling Stones.

E, depois de cantar o Fado Cravo de Marceneiro com uma letra sua (Quando vens falar de nós), Ângelo recebeu o segundo convidado. Novo momento alto: Carlos do Carmo, quando canta, faz esquecer quase tudo à sua volta. Um homem na cidade e O cacilheiro, que já ouvimos mil vezes, soam sempre novas graças ao modo como ele enleia as palavras na voz, que permanece esplêndida. Falou dos músicos, com o à-vontade de um grande senhor do palco, e elogiou Ângelo: “Os músicos de fado são todos muito sorumbáticos; e este gajo ri-se; e toca bem.”

Depois, voltámos a um tempo “normal”: Ângelo cantou Foi num tempo, de Diogo Clemente, e depois tocou, bem mais inspirado, um velho tango de Gardel, Por una cabeza. Continuando nos instrumentais, mostrou-se à altura das nada fáceis Variações em Ré Menor, de Fontes Rocha, atirando-se depois, com destemor, a um discurso mais contemporâneo em Dança sem fim, de Valter Rolo, oportunidade para cada um dos músicos presentes solar à medida das suas capacidades e inspiração: Ruben Alves no piano, Diogo Clemente na viola, Marino de Freitas no baixo, Eurico Amorim nas teclas e Mário Costa na bateria e percussão.

Mas foi a cantar que Ângelo fechou a noite, e num muito popular tema de Francisco José, Guitarra toca baixinho, pouco ou nada acrescentando ao original além de uma vocalização bem mais sóbria.

No encore, dois instrumentais e um fado cantado. Primeiro, Canto de embalar, de Carlos Paredes, em homenagem ao grande guitarrista que, como Ângelo lembrou, se fosse vivo faria no dia seguinte (16 de Fevereiro) 92 anos. Depois, Guitarra triste, de Álvaro Duarte Simões, onde cantou (bem melhor, por sinal, num embalo mais castiço) e a audiência cantou com ele. E, por fim, Afinal, com música dele e letra de Diogo Clemente, que Ana Lains gravou mas ali se ficou pela imponência instrumental, de novo com solos de todos os músicos. Um ambiente festivo, selado com efusivos aplausos, numa noite com momentos altos e outros a pedir revisão urgente. A bem de Ângelo e da sua já notável carreira.

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