At The Drive-In: "Ainda tocamos como uma banda nova de que ninguém gosta"

Os At The Drive-In andaram muito para aqui chegar. Passaram de tocar para ninguém a fenómeno rock e implodiram a seguir. Estávamos em 2000. Regressaram no ano passado e tocam esta quinta-feira em Paredes de Coura. Estão ansiosos pelo futuro, dizem ao PÚBLICO.

Foto
Os At The Drive-In em 2012 no Festival Lollapalooza Shane Hirschman

Podia ter sido tudo tão simples, sem zangas nem recriminações, sem ver o trabalho árduo transformado em tumultuoso colapso escondido publicamente por um anúncio que omitia a verdade dos factos: “Os At The Drive-In entraram num hiato por tempo indeterminado”, anunciaram os representantes da banda em Março de 2001. O hiato, como sabemos, era o fim. Demorou 11 anos a ser interrompido – em 2012, a banda de Relationship of Command reuniu-se para concertos – e década e meia para ser regresso a sério. Agora, há novo álbum, Inter Alia, e há concertos, como o que os trará ao Vodafone Paredes de Coura, esta quinta-feira, numa estreia em Portugal que será a maior atracção da segunda noite do festival – Car Seat Headrest, HO99O9, Jambinai, You Can’t Win Charlie Brown ou King Krule também estão em cartaz.

“O fogo ainda está lá, nunca desapareceu. Sinto que ainda tocamos como uma banda nova de que ninguém gosta”, diz o baterista Tony Hajjar ao PÚBLICO, três dias antes do concerto marcado para as 23h15 desta quinta-feira. Diz também que está ansioso por regressar a Paredes de Coura, onde em 2013 tocou com os Sparta, uma das bandas em que se dividiram os At The Drive-In após a separação. Além disso, ele tem a certeza de que o concerto lhe vai correr bem: 17 de Agosto é o dia do seu aniversário (fica a dica para quem quiser preparar uma surpresa simpática).

Portanto, tudo está bem no mundo dos At The Drive-In, a banda que tomou de assalto o mundo rock em 2000 com o seu terceiro álbum, Relationship of Command. O som sôfrego e visceral, guiado pela urgência e pela estridência da voz zangada de Cédric Bixler, colocou-os definitivamente no mapa. Os concertos, um frenesim contínuo, foram construindo a lenda. E, depois, num estalar de dedos, tudo terminou. Nos anos seguintes, Cedric Bixler e o guitarrista Omar Rodríguez-López foram explicando que queriam explorar outros caminhos (o que fizeram nos Mars Volta) e que os At The Drive-In, na verdade, já tinham construído toda a história que havia para construir. Tony Hajjar não está de acordo. A sua versão é bem mais simples. “Estávamos exaustos e nunca nos disseram que podíamos descansar, além de que não estávamos a conseguir lidar bem com todo aquele sucesso depois de tantos anos a percorrer esfomeados estradas sem fim." Olhando à distância de 16 anos, Hajjar não tem dúvidas. “Contaram-se mil histórias na altura, mas o que sei agora é que se nos tivessem mandado para casa descansar três meses teria sido diferente."

Tudo aquilo é passado. É passado o fim abrupto, é passado a reunião de 2012 que acabou igualmente de forma abrupta, é passado o facto de o guitarrista fundador, Jim Ward, ter saltado borda fora poucos meses após o último renascimento da banda, sendo substituído pelo ex-Sparta Keeley Davis – “Está o Jim a seguir o que andamos a fazer? Não tenho forma de saber. Tenho a certeza de que está a viver a sua vida da forma que quer”, comenta Hajjar, sem mais acrescentar. Para o baterista, interessa este presente vivido como se os últimos 16 anos nunca tivessem existido. Nesse período, não duvida de que se tornaram “melhores músicos” e aprenderam um par de coisas, como saber “quando trabalhar e quando descansar”. Apenas isso – espera-se que, no concerto, canções de ontem e de hoje se sucedam sem que vejamos imberbes as segundas e enrugadas as primeiras.

Nunca parar

Os At The Drive-In tiveram uma única conversa sobre o que seria Inter Alias, o álbum de regresso. “Queremos que seja o disco após Relationship of Command, 17 anos depois, ou o disco que gravaríamos imediatamente a seguir a ele?”. Decidiram-se pela segunda hipótese e seguiram em frente. Quando terminaram o primeiro take de Governed by contagions, uma das novas canções, Tony Hajjar perguntou ao produtor Rich Costey se se tinham saído bem. Costey não respondeu. Hajjar insistiu uma e outra vez, enquanto o produtor continuava a olhar para a mesa de mistura. Passado algum tempo, perguntou: “Com o que é que vocês ainda estão tão zangados?”. O baterista dos At The Drive-In conta a história e solta uma gargalhada. “É tão verdadeira a pergunta que nos fez. Temos uma ansiedade positiva. O que fazemos está desde sempre imbuído de tensão, alimenta-se dela, e, no momento que o mundo agora atravessa, em que sentimos que algo horrível pode acontecer, não nos próximos anos, mas nos próximos meses, é impossível escapar-lhe."

Quando subirem a palco em Paredes de Coura, veremos a banda que implodiu quando chegou ao topo e que quer recuperar o tempo perdido. Veremos a banda que não esquece de onde veio. “Quando me sento à bateria, mesmo que esteja a tocar num grande festival perante milhares de pessoas, sinto sempre que tenho alguma coisa a provar. Crescemos numa cidade muito pobre [El Paso, no Texas], muito de nós cresceram pobres e houve muita coisa marada a acontecer-nos na vida. Isso ainda está em nós e não desaparece."

Hajjar lembra-se de quando ninguém queria andar em digressão com a sua banda. “Por um lado, não éramos punk-pop, por outro, não estávamos na [editora] Dischord. Não soávamos nem aos NoFx, nem aos Fugazi, apesar de obviamente nos sentirmos mais próximos dos Fugazi." Conta que estavam três pessoas no primeiro concerto nova-iorquino da banda e que, no final da primeira canção, não restava nenhuma. “Tocámos para o técnico de som e para o empregado de bar. Mas o técnico de som contratou-nos para a digressão seguinte." Conta que, apesar disso, nunca discutiram se seria melhor desistir ou alterar a natureza da música que faziam: “Só estão duas pessoas a ver? Então vamos tocar com mais garra ainda, só para elas. Parar nunca foi uma possibilidade."

Em 1998, a Fearless Records, uma editora ligada ao anódino punk californiano da época, decidiu arriscar. Deu-lhes dinheiro para a mão e pediu-lhes um disco. Três dias de gravações depois, a banda entregou-lhe o seu segundo álbum, In/Casino/Out. “Só queríamos ter a possibilidade de gravar para ganhar o dinheiro suficiente para comer e conseguir chegar ao concerto seguinte com dinheiro para a gasolina." Dois anos depois, chegou Relationship of Command. “Estou ansioso pelo futuro”, diz Tony Hajjar em 2017, no momento em que a história dos At The Drive-In recomeça novamente.

Sugerir correcção
Comentar