O Oeste, onde a América decidiu que quereria sempre ser maior

Um épico televisivo adapta o romance homónimo de Philipp Meyer, e traz à actualidade, através de sete gerações de uma família do Texas, os mitos fundadores da América e algumas das suas feridas perenes: a conquista, o racismo, o fanatismo, a fronteira. The Son estreia-se este domingo no AMC .

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O clã McCullough em três gerações: o patriarca Eli (Pierce Brosnan), o filho conciliador, Pete (Henry Garrett), e a neta Jeannie (Sydney Lucas), que será muito mais do que uma mulher submissa DR
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Pedro García (Carlos Bardem) terá de lutar pela preservação do seu legado num Texas a ferro e fogo DR
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A disputa do território aos comanches atravessa esta série contemporânea da conquista do Oeste DR
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O clã McCullough DR
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The Son é uma série de época, com uma atenção detalhada a todos os sinais do tempo em que se move, recriando ambientes ao pormenor DR
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The Son é uma série de época, com uma atenção detalhada a todos os sinais do tempo em que se move, recriando ambientes ao pormenor DR

No fim da vida, um homem ajusta contas com a sua consciência. O romance de Philipp Meyer, finalista do Pulitzer em 2013, começa assim. Na adaptação desse romance a série televisiva, vemos esse homem, um rapaz, a tentar sobreviver e, numa célere viagem no tempo, a celebrar o seu aniversário já enquanto poderoso dono de terras, explorador de petróleo, malfeitor requintado temido pelos vizinhos e desafiador de todos os que ousem opor-se à sua ânsia de conquista. Ele é Eli McCullough – aqui interpretado por Pierce Brosnan –, o protagonista de The Son, a mais recente série da AMC que se estreia às 22h10 deste domingo em Portugal. “É um western sobre o mito fundador americano, a conquista do Oeste, a vontade de ser sempre maior. E é sobre racismo, fanatismo, fronteiras, sobre a vontade de ser grande. É a agenda americana de hoje”, diz Carlos Bardem, o actor espanhol que dá corpo a Pedro García, grande opositor de McCullough e outro lado do mito.

Com o mesmo título do livro de Meyer, que na tradução portuguesa se chamou O Filho e teve edição em 2014 pela Bertrand, o primeiro episódio da série passa-se no Sul do Texas entre finais do século XIX e início do século XX, mas irá estender-se no tempo. A versão televisiva de The Son é o culminar de um trabalho de quatro anos que começou justamente quando Meyer terminou o seu romance. Criada pelo escritor, com Brian McGreevy e Lee Shipman, e realizada por Tom Harper, assume-se como um retrato da América actual a partir de uma narrativa histórica condensada numa saga familiar. Tem os ingredientes de um épico: a luta pelo poder e o relato da história de um colectivo – no caso, o Sul dos Estados Unidos desde as lutas comanches até à exploração do petróleo – a partir dos dramas pessoais que reflectem toda a mitologia de uma época e constroem uma identidade.

Dividida em dez episódios, arranca em 1849 e estende-se até 2012, o pós-11 de Setembro, acompanhando sete gerações. As primeiras imagens são as do assalto dos comanches à casa onde o jovem Eli McCullough vive com a família, e do mesmo jovem Eli a ser feito refém depois do assassinato dos seus familiares. A acção passa depois para 1915. Eli já tem o rosto de Pierce Brosnan e um objectivo: tornar as suas terras num lucrativo território de exploração petrolífera. Para isso, terá de alargar as suas fronteiras. E matar não será impedimento. 

Go West!

“Passámos cinco meses em Austin a filmar. Foi antes das eleições. Claro que tínhamos lido o romance e o argumento; sabíamos do que tratava. Mas acho que não tínhamos noção do quão relevante é a série para os dias de hoje”, continua Carlos Bardem numa entrevista ao PÚBLICO em Madrid, antes de falar da personagem que interpreta, um homem que, como o classifica, é o último de uma estirpe. “Pedro García descende dos primeiros espanhóis que se estabeleceram no Texas no final do século XVII, princípio do século XVIII. É um homem orgulhoso desse legado espanhol. Com a sua família, está naquela terra há mais de 200 anos. O problema dele é ter de fazer frente à chegada de novos vizinhos, anglo-saxónicos brancos, grupo em que se inclui Eli McCullough. Não é o melhor vizinho que lhe poderia calhar. A luta de García será pela sobrevivência e por preservar o seu legado. Eli representa o mito da fundador da cultura americana: "Go West!", estender a fronteira, conquistar. E a conquista implica expulsar quem lá estava antes.”

Philipp Meyer esteve sempre presente nas filmagens, zelando para que o resultado fosse o mais fiel possível ao livro que escreveu. “Era muito bom tê-lo ali, sentado numa cadeira a assistir a tudo, disposto a esclarecer dúvidas, receptivo a dar conselhos”, conta Bardem, insistindo no carácter político de uma série que, como ironizou na conferência de imprensa em Madrid, tem tudo para agradar a todo o tipo de público, americano e não só. “Quem estiver contra o racismo, o fanatismo e os muros não vai gostar do modo como são tratados os mexicanos; e quem votou em Donald Trump vai gostar precisamente do modo como são tratados os mexicanos.”

Eli e Pedro são as figuras nas quais a história é ancorada, duas concepções de vida e duas culturas que convivem no mesmo espaço. “A série vai mostrar que esse convívio é muito difícil porque historicamente foi assim”, salienta Bardem, insistindo noutro dos argumentos que está no romance e na série: “Creio que é importante mostrar que por trás dos discursos que tentam atiçar um grupo de pessoas contra outro grupo, por exemplo, contra os mexicanos, contra os comanches ou contra quem quer que seja, está sempre a cobiça ou a ganância de alguém. A rivalidade entre os McCulloughs e os Garcías é a rivalidade pelas terras e pela riqueza que essas terras escondem. Para alimentar essa rivalidade há, ao longo de toda a série, um radicalizar de posturas.”

Uma história de violência

The Son é uma série de época, com uma atenção detalhada a todos os sinais do tempo em que se move, recriando ambientes ao pormenor, para assim comunicar ao espectador a identidade de quem os habita. Nesse cenário decorre o jogo do poder, marcado pela violência, outra característica estruturante da tal identidade, como também sublinha Carlos Bardem. “Essa expansão implicou grande violência e ela é também um marco distintivo da cultura norte-americana. A relação do país com a violência e com as armas, que para muitos de nós na Europa é um pouco incompreensível, é uma realidade.”

Actor, escritor, Carlos Bardem não estranha o recente fascínio de alguns romancistas pelas séries televisivas. Muito têm manifestado vontade de experimentar um género que, quando bem feito, consideram mais próximo da linguagem literária do que o cinema. “Cinema e literatura têm linguagens completamente diferentes. Raramente se vê um bom filme baseado num bom livro. É quase impossível. A atracção pela televisão existe porque é qualquer coisa no meio. Há tempo para uma maior complexidade, para as personagens se desenvolverem e para se ser mais fiel ao original, às linhas principais do romance. Há o tempo, o espaço e a profundidade para isso. E também porque há muito dinheiro em televisão [risos]."

Nem por isso Bardem se considera menos “um homem de cinema”. “Adoro cinema, mas gosto muito deste tipo de televisão, moderno, que começou há uns anos com Os Sopranos. Foi a grande diferença. Arriscaram, levaram tempo para explorar personagens, aproximaram-se de uma espécie de verdade, há mais realidade. Por outro lado, há outro modo de assistir. O modelo de consumo de audiovisual mudou também”, salienta, falando da proximidade entre o modo como se assiste a uma série e o modo como se lê um romance. “É como quando se agarra um livro, pode-se ler muito ou pouco. Vamos gerindo à nossa medida.”

A série apresenta logo Pedro García por contraste. É o indício de um conflito que se prevê se vá perpetuar até onde vão as duas famílias. Cada personagem jogará nisso o seu papel. Destacam-se aqui ainda Pete (Henry Garrett), o filho conciliador de Eli, e Jeannie (Sydney Lucas), a neta, que será muito mais do que uma mulher submissa no desenrolar da acção de The Son, a série que se atreve a passar ao ecrã um romance brilhante.

O PÚBLICO viajou a convite do AMC

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