Leonor Teles: água mole em pedra dura

Uma estreia fresca e desembaraçada para uma jovem cineasta portuguesa; deseja-se que seja um ponto de partida: Balada de um Batráquio, de Leonor Telles, o Urso de Ouro português em Berlim.

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Uma estreia desenvolta, fresca, divertida

É um caso raro de uma curta nacional que chega ao circuito comercial, mas faz todo o sentido que assim seja: os 11 minutos da segunda realização de Leonor Teles, premiados com o Urso de Ouro de Berlim na categoria, desafiam o espectador a destruir o preconceito. Que não é só o preconceito contra a etnia cigana que está na base da sua abordagem, é também o preconceito contra a curta-metragem como formato “in-útil”, “in-exibível”, porque restrito a experiências escolares ou formais, ou a cartões de visita mais ou menos formatados para chegar à longa.

Já sabemos que não é bem assim – a vitalidade do circuito de curtas existe, não é invenção - mas as percepções e os preconceitos persistem num mercado que parece só estar interessado em Pátios das Cantigas. É precisa a paciência da “água mole em pedra dura”, e é aí que a Balada de um Batráquio entra: talvez por ser ela própria meio-cigana (da parte do pai), o olhar de Leonor Teles foge ao que se convencionou ser o olhar do “cineasta português”, cede à energia, à vontade de contar histórias e de convidar o espectador a “partir sapos” com ela. Já se sentia esse desembaraço descomplexado no filme de escola que dirigiu em 2013, Rhoma Acans, mas é levada a outro patamar pelo burlesco quase mudo de entrar de soslaio em lojas e partir os sapos de louça colocados nas montras como “repelente” xenófobo daqueles que não são como nós – uma referência cinéfila usada com leveza e graça, que não chama a atenção sobre si nem sobrecarrega a curta.

Convirá, ainda assim, não ler em demasia nas entrelinhas nem criar expectativas em excesso: temos as palavras sábias do predecessor de Leonor Teles no Urso de Ouro de Berlim, João Salaviza, para nos guiar, ele que achava que as expectativas que um prémio destes coloca nos ombros de alguém são desmesuradas. Para todos os efeitos, esta é a primeira curta de Leonor Teles “no mundo real”. E queremos acreditar que o que aí virá não desmerecerá desta estreia desenvolta, fresca, divertida, que faz passar em dez minutos uma ideia de tolerância que muitas longas não conseguem com dez vezes mais tempo.

(O filme é exibido a anteceder a longa-metragem de Richard Linklater Todos Querem o Mesmo)

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