Fundação Côa Parque faz queixa no Ministério Público, Governo lamenta "atentado ao património"

Uma bicicleta e algumas inscrições foram desenhadas por cima de uma das figuras humanas mais icónicas do Vale do Côa. Ministro da Cultura lamentou "acto de vandalismo".

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O Homem de Piscos é a mais emblemática representação antropomórfica daquelas que foram identificadas no Vale do Côa DR

A Fundação Côa Parque já reportou ao Ministério Público o acto de vandalismo de que foi alvo a rocha 2 de Piscos, famosa mundialmente pela sua importante figuração humana com mais de dez mil anos. A denúncia do caso foi feita esta sexta-feira pelos trabalhadores da Fundação Côa Parque, que apontam uma correlação entre o acto e o facto de o local não ter qualquer vigilância, uma situação que atribuem aos sucessivos cortes no financiamento de que a fundação foi alvo a partir de 2013.

Contactado pelo PÚBLICO, o director do Parque do Côa, António Martinho Baptista, classificou este acto como “um atentado ao património”. Em Chaves – onde acompanhou a inauguração, no Museu Nadir Afonso, da exposição de obras da Colecção da SEC em depósito na Fundação de Serralves –, também o ministro da Cultura lamentou "o inqualificável acto de vandalismo”, reiterando que tinha sido já apresentada queixa ao Ministério Público. "Esperamos que os responsáveis sejam rapidamente identificados", acrescentou Luís Filipe de Castro Mendes. 

Martinho Baptista, que acredita que o acto de vandalismo terá sido perpetrado por pessoas da região, disse esperar também que “elas sejam rapidamente descobertas e punidas exemplarmente”. E realça que “o Homem de Piscos é a mais emblemática representação antropomórfica daquelas que foram identificadas no Vale do Côa”, e que se encontra num dos sítios que deixou de ter guardaria, na sequência da diminuição da equipa de vigilância. “Não está num dos três sítios em que se realizam as visitas públicas, mas é também visitada por vezes, e é uma figura suficientemente divulgada e conhecida”, acrescenta o arqueólogo e director do parque, considerando, por isso, que se tratou de “um acto de vandalismo deliberado”.

E Martinho Baptista acrescenta que os danos infligidos ao Homem de Piscos “são irreversíveis”, já que as inscrições foram feitas com um fragmento de xisto, que de resto foi deixado no local. “Podemos tentar atenuar os seus efeitos, mas resta-nos esperar que a patine do tempo venha fazer desvanecer este atentado”, acrescenta.

Segundo disse ao PÚBLICO o guia do Parque Arqueológico e do Museu do Côa António Jerónimo, a ocorrência foi detectada na quinta-feira: “Quando um técnico de manutenção foi cortar a erva para se poder aceder às rochas, deu por uma bicicleta desenhada ao lado do chamado Homem de Piscos, uma das gravuras mais icónicas do Vale do Côa. Para além da tal bicicleta, por cima da cabeça da figura humana mais icónica do Côa e da arte paleolítica mundial, há também algumas inscrições.”

Os trabalhadores argumentam que tal acto só foi possível por causa da falta de vigilância no sítio, devido às restrições orçamentais que penalizaram a Fundação Côa Parque na anterior legislatura. Foi então que o sítio em causa deixou mesmo de ter qualquer tipo de vigilância, assinalam.

Segundo António Jerónimo, o local continua a ser visitado, “ainda que de forma esporádica”, porque “as pessoas sabem o caminho até lá mesmo sem sinalética”. Nesse sentido “qualquer pessoa pode aceder a ele e vandalizá-lo”, como aconteceu neste caso.

“Se o lugar tivesse vigilantes, como acontecia, dificilmente uma situações destas seria possível", afirma ainda. "Pareceu-nos sempre irracional a retirada da vigilância porque o sítio é conhecido. Se fosse um local desconhecido, onde nunca houve visitas, não precisava de estar vigiado porque as pessoas não sabem onde estão as gravuras. Ali as pessoas sabem o caminho e a localização das gravuras. E são demasiado importantes para estarem expostas a estes actos de vandalismo.”

"Falta de civismo"

Não desvalorizando os problemas e a escassez de vigilância, Martinho Baptista lembra que não será possível "colocar um guarda atrás de cada rocha", e acha que o sucedido se deve essencialmente “a falta de civismo e de sentido de cidadania”. Mas avança que “o problema da segurança será um dos aspectos que a futura administração da fundação” – que vai passar a ser presidida, como anunciou o PÚBLICO, pelo historiador Bruno Navarro – “terá de tratar”.

Os trabalhadores têm vindo a alertar para os riscos desta situação em reuniões com o Ministério da Cultura. E o mesmo voltou a fazer o PCP, que esta sexta-feira, na Assembleia da República, endereçou quatro perguntas ao Governo a questionar as diligências que este irá tomar para o apuramento das responsabilidades pelo acto, e como vai resolver “o problema da falta de vigilância” no parque do Côa.

Já os trabalhadores do Vale do Côa salientam, em comunicado, que “a falta de vigilância nunca foi claramente denunciada publicamente por receio de que a publicitação pudesse ela própria potenciar a ocorrência destes actos”. "A gravidade do que agora ocorreu", acrescentam, "impôs-nos uma mudança de estratégia, pelo que agora vimos publicamente apelar ao Ministro da Cultura e ao anunciado novo Presidente do Conselho de Administração uma solução urgente para o problema, de forma a impedir que estas situações voltem a ocorrer”.

O ministro Castro Mendes lembrou que, "depois de ter saneado financeiramente a Fundação Côa Parque, o Governo aprovou este mês novos estatutos que vão finalmente permitir uma gestão mais eficiente" do Parque do Vale do Côa.

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