A tribo de Cyril

Esqueçam as mensagens de texto nos telemóveis, o vídeo vai ser o nosso principal meio de comunicação. Cyril Paglino, que foi vice-campeão mundial de breakdance, criou Tribe para a geração que está “sempre ligada”. Rapidamente percebeu que ser divertido é muito mais viral do que ser útil.

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Cyril Paglino e Tiago Duarte dr
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Cyril Paglino em São Francisco dr
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Cyril Paglino em São Francisco dr
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Cyril Paglino na casa onde trabalha e vive em São Francisco dr
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Cyril Paglino dr
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São Francisco dr
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Cyril Paglino em São Francisco dr

Passarem o dia a lutar com o telemóvel com falta de paciência para corrigirem mensagens de texto que escreviam em teclados minúsculos levou o francês Cyril Paglino e um grupo de amigos, entre os quais o programador português Tiago Duarte, a criarem app Tribe durante uma temporada numa casa que alugaram, em Agosto de 2015, em Saint-Tropez, no Sul de França. Foi a nostalgia daquela “magia pura” que sentiam na adolescência quando usavam o AIM ou o MSN Messenger para contactar com os amigos em mensagens escritas em tempo real que os levou a criar uma aplicação idêntica mas mais adequada aos tempos de wi-fi e banda larga: Tribe usa o vídeo em vez de sms.  

Um mês depois dessas férias já estavam em São Francisco, nos Estados Unidos, com um primeiro protótipo de Tribe. Lançaram essa versão na Califórnia, conseguiram dinheiro de um investidor americano (a Sequoia), recrutaram mais pessoas e continuaram a trabalhar. 

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Actualmente são uma equipa de quinze rapazes e raparigas de diversas nacionalidades — franceses, americanos, canadianos iraquianos e portugueses — e trabalham juntos na casa onde vivem. “O meu sócio-fundador, Tiago Duarte, é do Porto e vivia em França. Gere a equipa de engenheiros informáticos comigo. Eu não programo. Tiago tem competências técnicas que não tenho. Quando o convidei para fazer parte deste projecto, estava em Itália, abandonou o emprego e começámos a trabalhar na Tribe”, conta Cyril Paglino ao P2 na suite do Grand Amour, na Rue de la Fidélité, em Paris, o hotel decorado pelo designer luso-descendente André Saraiva.

Quando Cyril quer explicar a alguém o que é a Tribe, compara-a com um bar onde as pessoas vão aparecendo. “É como ter uma sala de estar da Internet no nosso telemóvel.” 

A Tribe começou por ser uma app de mensagens em vídeo, em que as mensagens escritas eram substituídas por pequenos vídeos, mas entretanto mudou. Manteve o mesmo nome e design mas passou a dar primazia ao live, permitindo juntar no ecrã do telemóvel até oito pessoas numa videochamada em tempo real.

Tal como o Skype, da Microsoft, ou o FaceTime, da Apple, a Tribe serve para se comunicar em vídeo, mas, assegura o seu criador, é “mais divertida”, mais “fácil de usar” e o vídeo é “menos pesado” do que o do Messenger, do WhatsApp ou do Snapchat. “O nosso objectivo é que Tribe venha a ser uma espécie de Skype (que desde que foi comprado pela Microsoft nunca mais evoluiu) mas tenha um ar 2017, seja mais actual, mais bem desenhado e direccionado para os mais jovens”, diz o CEO da Tribe. 

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Uma publicação partilhada por Cyril Paglino (@cyrilpaglino1) a

Esta não era a primeira aplicação que Tiago Duarte e Cyril Paglino (juntos na fotografia da direita, em cima) criaram em conjunto mas foi a única em que a Sequoia investiu 3 milhões de dólares. “Foram eles que me contactaram e o negócio fez-se em quatro dias. Foi muito rápido porque perceberam que o que fazíamos neste pequeno segmento se poderia tornar interessante”, conta Cyril que acredita que Tribe é uma boa marca, com uma equipa competente, por vezes brilhante, num mercado como o do vídeo que está em plena expansão. 

“Quem tem entre 12 e 20 anos só comunica através de vídeo, usando-o quer quando estão longe, no estrangeiro, quer em casa, enquanto fazem os deveres da escola. É uma geração que já está live o tempo todo”, explica Cyril. “Há uma espécie de sentimento de ubiquidade, a capacidade de uma mesma pessoa se duplicar pelo mundo inteiro. Por exemplo, estou aqui em Paris a falar consigo mas ao mesmo tempo, de meia em meia hora, faço videochamadas para variadíssimas pessoas e não tenho a impressão de que estão a muitos quilómetros de distância.” 

Quando regressa a França, Cyril abraça a mãe depois de alguns meses de afastamento mas tem a sensação de que esteve com ela ontem. “É paradoxal... tudo porque falei com ela através de videochamada, vi-a sorrir com o seu novo corte de cabelo e a sua camisa nova.” 

Estamos em Paris porque Cyril Paglino foi nomeado “embaixador” da marca americana de vestuário que nasceu em São Francisco, a Dockers, e ficou conhecida pelo estilo descontraído das suas calças “chinos”. Este empreendedor francês que abandonou o liceu aos 15 anos para prosseguir uma carreira de dançarino profissional de breakdance — foi vice-campeão mundial aos 19 anos, era patrocinado pela Red Bull e pela Nike — é a imagem da campanha para a colecção de homem desta Primavera/Verão, cujas peças têm uma silhueta mais justa ao corpo, são mais skinny — todas as calças têm strecht horizontal, o que dá uma maior flexibilidade, e cores muito pop.

Nestes últimos dez anos, Cyril foi abordado por outras marcas para fazer publicidade aos seus produtos, fê-lo três ou quatro vezes. “Não é esse o meu trabalho, não sou uma agência, nem actor, há pessoas que o fazem e são dotadas para isso, não é o meu caso”, diz, apesar de aos 19 anos ter entrado no Secret Story, um reality show francês. Retirou-se dos concursos mundiais de breakdance aos 21 anos e criou uma startup. Lançou uma aplicação de dating ou de encontros, que “foi um flop”: “Era mal feita, eu era muito inexperiente, era a minha primeira sociedade e perdi dinheiro. Acontece.” A segunda investida no mercado das startups, com uma agência de talentos digital para celebridades francesas, deu-lhe dinheiro em 2014 quando a vendeu e permitiu-lhe apostar noutros projectos sozinho. Antes de Tribe, Cyril fez uma outra aplicação com Tiago. “Chamava-se Pleek. Há uns quatro anos permitia a partilha de fotografias entre jovens de 12, 13 anos. Era um conceito parecido com o do Snapchat e percebemos que não íamos conseguir estar no mesmo campeonato. Ao fim de seis meses abandonámos a ideia”, recorda. 

“O Snapchat é hoje mais uma aplicação de broadcast do que outra coisa. Uma aplicação onde se podem postar histórias que têm o formato vídeo e que uso se quero partilhar o meu dia, durante 24 horas, com centenas de amigos. Transformou-se numa plataforma pública”, ao contrário de Tribe, que se concentra nos 50 amigos mais próximos de cada utilizador, aqueles com quem discutimos quotidianamente. “As pessoas com quem falo, duas, três, quatro vezes por dia. Não quero ter uma plataforma para postar um conteúdo que não vai ter resposta. Quero uma que me permita interagir com eles.”

 

Palavras mágicas

Numa versão anterior de Tribe, que tinha alguns milhões de signatários nas aplicações para AndroidiOS, Cyril e equipa trabalharam com aquilo que chamavam “augmented messaging” com a ajuda de palavras mágicas. “As Magic Words é um conceito que inventámos e registámos, em colaboração com o Google. Quando enviávamos uma mensagem de vídeo para alguém e dizíamos: ‘Olá, Celine, vamos amanhã sair às 19h? Vamos jantar ao Costes?”, o que era dito no vídeo era transposto para legendas. A aplicação captava algumas palavras-chave dessas frases, uma marca e um lugar, e propunha um endereço do restaurante e reservava um Uber. Tudo isso acontecia no vídeo, havia um conceito de machine learning e de inteligência artificial que ‘compreendia’ o que cada humano dizia, para propor um serviço no vídeo”, explica o empreendedor. 

Mas fizeram uma avaliação daquela que foi considerada uma das melhores apps de 2016 pela Time e por outras publicações como a TechCrunch ou a Forbes e estão numa fase de mudar o que fizeram antes. “Infelizmente, tenho essa impressão, o conceito de Magic Words era demasiado vanguardista para o mercado o aproveitar. Só em São Francisco, onde os hábitos e os usos tecnológicos estão mais desenvolvidos, é que os utilizadores recorriam a ele. Era demasiado geek para aquilo que hoje em dia o consumidor médio utiliza”, lamenta Cyril.  

“Por outro lado é divertido ver que estávamos à frente no tempo. Em 15 meses demo-nos conta de que desde o início nos preocupávamos muito com a utilidade do produto, com o ganhar-se tempo e a produtividade. O que vemos é que as pessoas querem principalmente divertir-se. Os produtos mais virais são inúteis mas muito divertidos. Quando nos divertimos com um produto temos empatia com ele, partilhamo-lo mais facilmente do que um muito utilitário, como um calendário muito inteligente que nos ajuda a organizar a nossa vida. É muito inteligente mas não é divertido e necessitamos de algum tempo para perceber como funciona.” 

E foi assim que a Tribe mudou de rumo e se tornou mais mainstream.  

O PÚBLICO viajou a convite da Dockers

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