A jornalização em curso (epílogo)

Sem grande rigor terminológico, chamemos jornalismo editorial a um género de discurso e a uma forma de configuração do espaço público mediático que se caracterizam pelo triunfo de um modo de entretenimento, quase exclusivamente assegurado pela classe político-mediática dos intelectuais politólogos e dos políticos anfíbios. É uma classe que compreende tanto os politólogos que ocupam as cátedras instituídas pelos media, como alguns politólogos de vocação e ciência que, uma vez cooptados, já não se distinguem dos seus pares elevados às cátedras profanas por competência na escrita subalterna, no crochet televisivo, no chatting radiofónico, ou nos três ao mesmo tempo. A estes servidores da inflação editorialista de carácter político que ocupou o lugar vazio dos géneros jornalísticos tradicionais – derrotados pelas novas condições da paisagem cultural, económica e tecnológica - damos o nome de editocratas, retomando uma designação que foi consagrada em França por um livro colectivo de 2009 que se chamava precisamente Les éditocrates. Os editocratas caracterizam-se pela omnipresença e omnisciência. São por isso inevitáveis e prescritores de opinião. Tão certo como o sol se levantar todas as manhãs é eles ocuparem as várias “plataformas”. São uma elite que encarna com entusiasmo aquilo a que alguns, equivocados, chamam “opinião pública”, e outros, com excesso de ambição e alguma ingenuidade, chamam “dinamismo da sociedade civil”. Esta classe procura uma autolegitimação para as suas cátedras reconstruindo a função-autor. Na linguagem publicitária de um canal de televisão, eles são a “opinião com assinatura”. É de assinalar que a função-autor, que a literatura moderna tentou fazer desaparecer, foi reconstituída neste jornalismo editorial. De tal modo que – observou uma vez Gilles Deleuze a propósito dos “nouveux philosophes” – os próprios escritores que querem ainda ser autores precisam de passar também por jornalistas, tornando-se jornalistas de si mesmos. A construção e relação de autoria podem então ser feitas através de um estilo – o estilo enquanto cristalização do  direito consuetudinário da mediocridade, da inocuidade, da idiotia, ou até do burlesco. O jornalismo editorial, curto e conformista, é maioritariamente auto-referencial, o que significa que o seu eco-sistema é o espaço autónomo que ele próprio vai criando. É um sistema de vozes em conversa permanente umas com as outras. É assim que se cria aquilo a que podemos chamar “medialecto”, um idioma que asfixia a linguagem e o pensamento. E a política deste medialecto é sempre uma política Potemkine. Veja-se, por exemplo, como foi introduzida e repetida a palavra “geringonça”: dotada, à nascença, de um traço cómico-satírico, o seu uso mantém-se nas várias fileiras dos editocratas porque falam sempre uns com os outros e na mesma linguagem. Assim caracterizados, não parece haver nenhuma diferença entre os editocratas de Esquerda e os de Direita. Na verdade, eles pretendem distinguir-se no conteúdo. Mas, colocando a questão dessa maneira, não fazendo nada para superar a oposição entre forma e conteúdo, estamos a funcionar da maneira errónea que é a deles e que eles gostariam de impor, na medida em que esquecemos que todos alimentam o mesmo aparelho de produção – o da editocracia – sem o transformar, sem operar o mínimo desvio em relação aos seus ditames. Isto é uma linguagem um pouco marxista? Pois é. Mas ela ainda serve para percebermos a lógica do jornalismo editorial, as suas argúcias que virtualizam todo os acontecimentos e esvaziam a linguagem de todos os possíveis.

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