Porque passámos a semana a discutir a cara de Renée Zellweger?

Uma semana de escárnio e muito dizer sobre o rosto de uma actriz que mudou. Mulheres, actores, carreiras e Hollywood. “O que fascina as pessoas nesta história é a ideia de metamorfose."

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Renée Zellwegger na passadeira vermelha dos prémios Women in Hollywood da revista Elle na segunda-feira à noite em Los Angeles
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A actriz em 2010 num evento da CNN
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Renée Zellwegger nos prémios Women in Hollywood da revista Elle
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Renée Zellwegger nos prémios Women in Hollywood
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Renée Zellwegger nos prémios Women in Hollywood
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A actriz nos Globos de Ouro em 2009
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Renée Zellwegger nos prémios Women in Hollywood
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A actriz na promoção do filme Miss Potter em 2006

De repente, dir-se-ia que uma actriz tinha sido presa depois de um qualquer escândalo espinhoso. Uma sequência de caras em close-up começava a surgir-nos nos ecrãs, nos jornais, na televisão, qual imagem da detenção de uma estrela rapidamente propagada pela Internet. Ao lado do primeiro rosto, uma segunda vaga de imagens, um antes e um depois, jorrava em milhares de artigos escritos, dezenas de milhares de comentários feitos. Eficazmente, chegaram ainda as brincadeiras virais e as opiniões dos peritos. Renée Zellweger estava “diferente”. Ou mais ainda, “irreconhecível”.

Os factos: Renée Zellwegger, 45 anos, entrou na passadeira vermelha dos prémios Women in Hollywood da revista Elle na segunda-feira à noite em Los Angeles. Para o mundo, aquela que será sempre Bridget Jones (e suas respectivas obsessões com o aspecto, com o peso, com as alterações físicas a que obrigou a actriz) não tem sido pródiga em aparições de grande destaque. Da parede do photo call à chegada das imagens às redacções e à Internet foi um ápice, tão rápido quanto a detecção à primeira vista da diferença no rosto da actriz. Depois chega a enxurrada de opiniões, comparações e especulações. Focadas sobretudo no aspecto, menos no impacto na sua carreira e interpretação.

“Irreconhecível”, escreveu o mundo na sua versão mais branda. O pingue-pongue de opiniões prosseguiu semana fora nos órgãos de informação, nas redes sociais (foi um dos tópicos mais falados no Twitter em todo o mundo) e nas conversas no trabalho, em casa e com os amigos. Fez ou não fez?

O mundo esquecera-se - porque nessa altura a explosão mediática foi apenas um estalido - de que no final de 2013 a actriz expusera o seu aspecto “diferente” num par de apresentações e que aí começaram os primeiros exercícios de bisturi de bancada. Em Julho aconteceu o mesmo e dias antes da aparição nos prémios da Elle americana também, e não houve qualquer reacção ao rosto Renée. Fez ou não fez? “Isto não é botox nem mesmo cirurgia. É uma investigação por uma pessoa desaparecida”, twittou a comediante e escritora britânica Viv Groskop.

O tom da conversa azedou. “O horror e a repugnância [dos comentários ao caso Zellweger] eram palpáveis”, escreveu no Guardian Jennifer Gerson Uffalussy, uma das fundadoras do site de cultura popular feminista Jezebel. No Twitter, o diário britânico Independent partilhou “Renée Zellwegger está irreconhecível nestas fotos”, com um link e uma imagem. De uma cadeira. Um objecto inanimado como as figuras de cera do museu Madame Tussaud a que foi também comparada, algo que também acontece com regularidade à australiana Nicole Kidman, ou à ex-namoradinha da América Meg Ryan. Fez ou não fez? Ou, como se começou a argumentar numa segunda fase de reacção ao novo rosto da actriz, ser ou não ser mulher em Hollywood?

“O que fascina as pessoas nesta história é a ideia de metamorfose, algo que os gregos e os romanos já reflectiam”, diz ao PÚBLICO Robert J. Thompson, director do Bleier Center for Television & Popular Culture da Universidade de Syracuse. “Ovídio e as suas Metamorfoses era sobre deuses e heróis.” Agora falamos de actores, estrelas. “Hoje temos a capacidade de metamorfosear corpos”, compara, “o que para a natureza humana é uma história fascinante”. A isso adiciona-se o facto de a sua carreira ter começado como “símbolo de juventude”, como escreve Arielle Bernstein no IndieWire.

O tempo passou sobre Renée Zellweger e não foi só sobre o seu corpo. Foi também sobre a sua carreira. Os seus últimos filmes com algum eco de crítica e bilheteira foram Cold Mountain, em 2003 e que lhe deu o Óscar de Actriz Secundária, e Miss Potter, em 2006, sucedendo-lhes uma série de vozes para animação e títulos sem grande expressão no mercado. O seu último filme, A Minha Canção de Amor, com Forest Whitaker, em 2010, mostrava já que a sua aparência seguia o caminho natural da ultrapassagem da barreira dos 40 anos. Uma mulher bonita com os seus olhos estreitos e azuis, cabelo mais escuro, indiscutivelmente Renée Zellweger. Uma actriz cujo pico de carreira foi há uma década, de “ontem” em Hollywood. Que vale 1,9 mil milhões de euros em receitas de bilheteira e que em 2015 tem um novo filme, The Whole Truth.

“As pessoas não me conhecem nos meus 40 anos. Talvez pareça diferente. Quem não parece ao envelhecer?”, disse Zellweger em comunicado à revista People na terça-feira, já a tempestade em torno do seu rosto estava a sair do adro. Aquela que atingiu o estrelato com a sua expressão enlevada por Tom Cruise em Jerry Maguire refere-se à especulação sobre se alterou ou não os traços do seu rosto através de cirurgia plástica ou intervenções cosméticas como “parvoíces”. “Estou contente por as pessoas acharem que tenho um aspecto diferente. Estou a viver uma vida diferente, feliz, mais recompensadora e estou entusiasmada pelo facto de talvez se notar. Os meus amigos dizem que pareço serena. Estou saudável ”, disse a actriz.

Robert Thompson diz que é “inegável que na história da cultura falamos de forma diferente sobre homens e mulheres no que toca ao aspecto”, exemplificando com a atenção dada a políticos como Hillary Clinton. Mas, defende, “também teríamos esta conversa se fosse alguma grande estrela masculina a aparecer com um aspecto completamente diferente”. A escritora Arielle Bernstein acrescenta exemplos sobre a forma como olhámos e comentámos o envelhecer de Ethan Hawke, de Marlon Brando, de Christian Bale ou até de Elvis Presley. “A resposta do público ao envelhecimento dos actores é desconfortável, mas também é inevitável e não é necessariamente sempre uma questão de sexismo.”

Jennifer Gerson Uffalussy discorda. E o título do artigo de opinião que assinou no diário britânico viria a repetir-se em forma de argumento pelo mundo, à medida que a vaga de escárnio sobre Zellweger se agigantava e uma outra onda, a da análise sobre temas como a idade, o género e as impossíveis expectativas de uma cultura de espectáculo versão reality show saía em sua defesa: “Não há nada de errado com a cara de Renée Zellweger. Há algo de errado connosco”.

“Ser uma celebridade do sexo feminino é perder sempre”, defende uma das fundadoras do site que noticia e analisa a forma como as questões de género são tratadas (ou ignoradas) na cultura popular – e que publicou apenas um post sobre a tempestade mediática em torno do caso ao longo da semana, o da resposta da actriz. “Em Hollywood, ‘envelhecer graciosamente’ é um eufemismo para ‘boa plástica’, o tipo que consegue debruar com sucesso uma linha indefinida entre o descaído e o congelado – vide Sandra Bullock”, acrescenta Amanda Hess num também muito replicado texto da revista online Slate.

“Ousar envelhecer” significa gozos e perda de trabalho, combater a idade é igual a acusações de narcisismo, mas ao menos trabalha-se, argumenta Gerson Uffalussy. Depois de anos sem trabalhar, “voltou parecendo-se em nada com a antiga Renée Zellweger – sabem, a actriz para quem já ninguém queria olhar. E culpam-na por isso?”, questiona Amanda Hess.

Hollywood e o mundo que por ela é envolto acaba por ter uma relação difícil com as idades. Na semana passada, estreou-se em Portugal O Juiz em que Vera Farmiga interpreta a mãe de Leighton Meester. Vera Farmiga tem 41 anos, Meester tem 28. Em 2013, como recorda pelo Washington Post, Judith Light (a mãe solteira da sitcom dos anos 1980 Chefe mas pouco) participou no remake da série de TV Dallas. Ela tem 63 anos. O actor que fez o papel do seu filho tem 60.

Nos filmes mais rentáveis feitos em 2013, só 30% dos papéis foram de mulheres com mais de 40 anos. Já os actores tiveram 55% de papéis com mais de 40 anos. Os dados do Center for the Study of Women in Television and Film (CSWTF) da Universidade de San Diego são completados por um estudo publicado no Journal of Management Inquiry que mostra que os actores atingem o pico da carreira (melhores salários, melhores papéis, prémios) aos 52 anos, em média, enquanto as actrizes estão no seu melhor momento aos 34. “Alguma coisa aconteceu culturalmente” que fez com que “ninguém supostamente envelheça depois dos 45”, exasperou-se Frances McDormand no New York Times.

No mar de linhas escritas sobre o tema, cita-se Hamlet ou a fala de Sunset Boulevard nostálgica sobre o cinema mudo: “Não precisávamos de diálogo, tínhamos caras”. Assim se contextualiza porque é que é necessário ou útil discutir o tema “cara de Renée”. Porque de facto o rosto de um actor é um dos seus veículos para a interpretação. Porque quando Mickey Rourke reemergiu do oblívio também estava diferente e conseguiu o melhor papel da sua carreira em O Wrestler (2008). Porque Jennifer Grey (Dança Comigo, 1987) mudou o nariz e ficou sem carreira, porque Nicole Kidman estará prejudicada pelo botox, porque quando Kim Novak, de 81 anos, apareceu nos Óscares deste ano com a cara entumescida por injecções de gordura foi alvo de bullying online e teve de se explicar no Facebook. “Quando as caras de actores mudam, como a de Renée Zellweger tão clara e publicamente mudou, dificilmente nos podemos sentir culpados por notar”, afirma o jornalista Steve Rose no Guardian.

Martha M. Lauzen, directora executiva do CSWTF, remata por email ao PÚBLICO: “A nossa cultura monta armadilhas para as mulheres, insistindo que permaneçam com um aspecto jovem e depois condenando-as quando elas tomam medidas para atingir esse ideal socialmente construído”. 

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