A guitarra que confirmou a revolução de Dylan vai a leilão

A Fender Stratocaster que utilizou no seu primeiro concerto eléctrico, no Newport Folk Festival, em 1965, pode atingir os 370 mil euros.

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Um ano após pegar na guitarra eléctrica em Newport, Dylan ouviria um purista folk lançar-lhe um grito que entraria para a história: "Judas!". A foto é desse concerto. A guitarra usada já não é a Stratocaster a ser agora leiloada, mas uma Telecaster DR

A participação de Bob Dylan no Newport Folk Festival de 1965 ganhou dimensão lendária por ter sido a primeira em que o autor de Blowin’ in the wind tocou guitarra eléctrica, acompanhado por uma banda, naquilo que confirmou a revolução que a sua música sofrera nesse mesmo ano e que, conta-se, terá gerado a ira dos puristas da folk – Pete Seeger, continua a lenda, terá andado pelos bastidores brandindo um machado e ameaçando cortar a electricidade de palco.

Dada a relevância da actuação, não surpreende portanto o interesse que suscita junto de fãs e coleccionadores a peça que anunciou a revolução em Dylan, a guitarra Fender Stratocaster de cor Sunburst que o músico usou no concerto. Vai ser leiloada na Christie de Nova Iorque no próximo dia 6 de Dezembro por um valor estimado entre os 300 mil e os 500 mil dólares (entre os 222 mil e os 370 mil euros).

A guitarra está na posse de uma família de New Jersey praticamente desde a actuação em Newport. Vic Quinto, piloto que trabalhava para Albert Grossman, manager de Dylan, descobriu-a esquecida no avião privado que transportou o músico após a actuação. Dentro da caixa da guitarra estavam também alguns rascunhos manuscritos de letras de canções: In the darkness of your room, uma primeira versão do que se seria Absolutely sweet Marie”(surgiu em 1966 no álbum duplo Blonde On Blonde), Medicine Sunday, Jet pilot e I wanna be your lover, que só conheceram edição oficial na década de 1980. Também os manuscritos irão a leilão, estimando a Christie que atinjam entre os 3 mil e os 5 mil dólares (entre 2200 e os 3700 euros). Vic Quinto terá contactado na altura os representantes de Dylan para devolução da guitarra. A única resposta que teve foi inconclusiva: “podemos sempre arranjar outra na Fender”.

É a filha do já falecido Vic Quinto, Dawn Paterson, que leva a guitarra a leilão. A história do instrumento foi revelada em 2012, durante um episódio de um programa da PBS, History Detectives, no qual a Stratocaster era autenticada por especialistas como sendo realmente a utilizada por Dylan em Newport. Contudo, após a exibição do programa, o advogado do cantor, Orin Snyder, emitiu um comunicado em que tais conclusões eram desmentidas: “Bob está em posse da guitarra eléctrica com que tocou no Newport Folk Festival em 1965. Detinha várias outras guitarras Stratocaster que lhe foram roubadas nesse período, tal como algumas letras manuscritas”, citava-o a Rolling Stone em Julho deste ano. Tal comunicado terá servido, porém, como mera medida de prevenção. De facto, a notícia onde era citado o comunicado informava que Dawn Paterson e os representantes do cantor haviam chegado a acordo para o leilão da guitarra e dos manuscritos, não sendo revelado se Dylan terá direito a alguma percentagem da venda.

A 24 de Julho de 1965, Bob Dylan, então nomeado o poeta da folk e elevado a contragosto como voz de uma geração, regressava ao Newport Folk Festival. Estivera presente pela primeira vez em 1963 e regressara obrigatoriamente em 1964. Na edição seguinte, algo de verdadeiramente diferente aconteceu. Depois de, num workshop durante a tarde, interpretar a solo, em guitarra acústica, All I really want to do, If you gotta go, go now e Love minus zero/No limit, voltaria para segunda actuação. Nessa altura, surgiu de acordo com o novo som revelado em Bringing It All Back Home, o seu primeiro álbum eléctrico, editado meses antes, e o primeiro de uma trilogia criativamente imbatível (completam-na Highway 61 Revisited e o já referido Blonde on Blonde).

Acompanhado pelo guitarrista Mike Bloomfield e por Al Kooper no órgão, dois músicos que então o acompanhavam em estúdio, e três companheiros de Bloomfield na Paul Butterfield Blues Band, Jerome Arnold (baixo), Barry Goldberg (piano) e Sam Lay (bateria), atacou com energia Maggie’s farm, Like a rolling stone e uma versão embrionária de It takes a lot to laugh, it takes a train to cry. Pouco depois, nascia a lenda de que teria sido apupado e de que Pete Seeger teria corrido encolerizado para os bastidores de machado em punho. O próprio Pete Seeger viria porém a desmenti-lo. Seeger queixou-se, sim, mas da péssima qualidade de som que distorcia a voz de Dylan e impedia as suas palavras de se ouvirem correctamente. E o público terá realmente reclamado, e alguns puristas estariam realmente irritados com o que consideravam uma cedência intolerável de Dylan à mediocridade do rock'n'roll, mas a maioria que assobiou não o terá feito por ver e ouvir o cantor de The times they are a-changin’ em formato banda. Os restantes músicos da noite, explicou Al Kooper no Rough Guide to Bob Dylan, deram concertos de 45 minutos. Aquele demorou quinze. Eléctrico ou não, o público queria mais. E teve-o.

Enquanto a Fender Stratocaster era arrumada na caixa e seguia o seu caminho até cair inadvertidamente nas mãos de Vic Quinto, Dylan regressou a palco sozinho para cantar Mr Tambourine man e It’s all over now, baby blue. 37 anos passariam até voltar a tocar em Newport.
 
 
 
 Corrigidas as datas de apresentação de Bob Dylan no Newport Folk Festival.
 
 
 
 
 
 

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