A grande família do cinema francês

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Louis Garrel, autor de "Mes Copains" REUTERS/Alessia Pierdomenico

"Mes Copains", de Louis Garrel, e "Le Feu, le Sang, les Étoiles", de Caroline Deruas, expõem o fogo cruzado das relações de parentesco num país de ciné-filhos.

Louis Garrel, filho de Philippe Garrel, neto de Maurice Garrel e irmão de Esther Garrel, cruza-se com Caroline Deruas, mulher de Philippe Garrel, nora de Maurice Garrel e mãe de Léna Garrel, hoje, segunda-feira, no IndieLisboa. Não temos como não nos meter em assuntos de família nesta sexta sessão da Competição Internacional de Curtas em que uma realizadora indiana força o pai a lamber, em directo, uma ferida aberta há muitos anos, quando a mãe ainda estava viva ("The Last Act", de Tangella Madhavi), uma realizadora francesa bate com a cabeça nas paredes do apartamento da irmã ("Vu", de Leila Albayaty) e dois filmes praticamente consanguíneos ("Mes Copais", de Louis Garrel, e "Le Feu, le Sang, les Étoiles", de Caroline Deruas) expõem, mesmo a quem não é da casa, o nó cego das relações de parentesco do cinema francês.

Conseguimos ver alguma coisa a mexer-se por trás da folhagem densa desta árvore genealógica na curta de Caroline Deruas (alguma coisa a mexer-se por trás do "quem é quem" bastante assumido de "Mes Copains"): "Le Feu, le Sang, les Étoiles" não é bem um filme, é uma ressaca, filmada no "day-after" da eleição de Nicolas Sarkozy. Começa com Caroline Deruas na cama, a chorar sobre o leite derramado da primeira página do "L'Humanité", e acaba com a filha da realizadora, Léna Garrel, a falar com o avô, Maurice Garrel, sobre os maus desta história (a direita, em todos os seus estados). Nisso, esta curta é a continuação da política por outros meios: Caroline Deruas a olhar para o estado a que as coisas chegaram, a contar espingardas (e a deixar-se matar, na sequência do meio) e depois, por não querer dar a ninguém o prazer de a anular, a fazer listas das coisas pelas quais vale a pena morrer e matar (o Mediterrâneo, Desnos, a "Ilíada", Alain Guiraudie, Maiakovski - e o "Charlie e a Fábrica de Chocolates"). Têm um destinatário, essas listas: a filha, de uns sete ou oito anos, a quem Caroline passa o testemunho neste filme a preto e branco, para já o mais militante da competição internacional - e o mais puro, também, como se houvesse mais ingenuidade do que raiva neste "statement" sobre como a França se perdeu e como a França se pode salvar.

Ainda na mesma sessão, Louis Garrel - outro ciné-filho, e exactamente da mesma família - filma-se ao espelho em "Mes Copains", autobiografia colectiva dos amigos e da irmã do actor. É um objecto irregular - um ponto da situação dessa pequena comunidade afectiva - que à sua pequena escala doméstica, quase incestuosa, também carrega nos ombros uma certa tradição cinematográfica. Tal como "Le Feu, Le Sang, les Étoiles", "Mes Copains" é uma passagem de testemunho: o primeiro filme de um filho de cineasta que achou que o fracasso da sua própria geração ("Achávamos que íamos triunfar onde os outros tinham fracassado, mas isso não aconteceu", explica na nota de intenções) podia ser o início de um belo filme.

Fora deste "pack" de filmes familiares, mas também dentro desta sessão, está ainda "Jour après Jour", de Raphaël André, um filme que mantém uma relação sôfrega com o ar livre - e que teria ficado bem ao lado de "Arena", de João Salaviza, de que já falámos aqui.

Le Feu, le Sang, les Étoiles, de Caroline Deruas

França, 2008, 15 minutos

Mes Copains, de Louis Garrel

França, 2008, 25 minutos

Cinema São Jorge, segunda-feira, 27, às 18h45, e sexta, 1, às 18h45

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