A dança e o teatro entram em acção, para aquecer o Inverno de Santiago de Compostela

Terceira edição do festival Escenas do Cambio decorre de 28 de Janeiro a 15 de Fevereiro. Com um pé na Argentina e outro no butoh.

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Yo en el futuro, de Federico León, figura em destaque nesta edição do festival DR

Visível à distância num raio de muitos, talvez demasiados, quilómetros, a Cidade da Cultura de Santiago de Compostela é um lugar aparentemente fora de tudo (e sobretudo fora de escala, tanto que o projecto, faraónico, nunca chegou a completar-se e exibe até hoje, como cicatrizes, os gigantescos abismos que deveriam ter sido os alicerces de outros tantos gigantescos edifícios). Mas é esse lugar que o actor, encenador e poeta galego Pablo Fidalgo Lareo está a tentar transformar no centro sazonal de uma prática artística comprometida com a mudança: a terceira edição do Escenas do Cambio – Festival de Inverno de Teatro, Dança e Arte em Acção, que ali decorre de 28 de Janeiro a 15 de Fevereiro, volta a trazer a uma cidade por vários motivos conservadora um conjunto de artistas que sinalizam algumas das dinâmicas, dos tópicos e das formas em curso no circuito internacional das artes performativas.

Tal como há um ano com a presença dos mexicanos Las Lagartijas Tiradas al Sol e do seu teatro profundamente comprometido com a denúncia do fracasso que é o seu país, a América Latina volta a ser um território central no festival. O argentino Federico Léon, figura cuja ascensão bastante meteórica já foi devidamente apropriada pelo circuito europeu, é, de resto, a presença mais recorrente no programa desta edição, com a apresentação de dois dos seus espectáculos (Yo en el futuro e o engenhoso Las Ideas, que em 2016 passou pelo Alkantara Festival e pelo FITEI) e de dois dos seus filmes (Las Estrellas e Entrenamiento Elemental para Actores). Também da Argentina – de resto um destino fundamental da emigração galega – chegarão A veces creo que te veo, dispositivo multimédia de Mariano Pensotti para quatro personagens numa estação de comboios, e Ese afuera que no es la naturaleza, de Magdalena Arau, acompanhando o exílio de Butch Cassidy na Patagónia.

O Japão – e mais propriamente a tradição do butô tal como Tatsumi Hijikata o inventou e Kazuo Ohno o tornou mítico – é outra das coordenadas deste Escenas do Cambio, que receberá About Kazuo Ohno, de Takao Kawaguchi, e The Return of la Argentina, em que o norte-americano Trajall Harrell reconstrói a peça que um Ohno completamente sob o efeito da bailarina espanhola Antonia Mercé, a “rainha das castanholas”, trouxe à Europa em 1980.

O Chile eternamente envenenado pelo pinochetismo de Mateluna, regresso do nosso já muito familiar Guillermo Calderón ao tema da resistência armadaque também veremos em Lisboa, no Maria Matos (15 a 17 de Fevereiro) –, assim como Muerte y reencarnación en un cowboy, uma das obras mais explosivas do explosivo Rodrigo García, e Tempo e Espaço: os solos da marrabenta, em que o moçambicano Panaibra Gabriel Canda simultaneamente reclama e contesta o ideal do corpo africano, são outras boas razões para voltar a Santiago de Compostela – e, desta vez, esquecer a catedral.

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