A consagração da Casa!

Com várias surpresas e em ambiente de alegre celebração decorreu o primeiro concerto ndas comemorações do 10.º aniversário da Casa da Música.

Foto
O compositor Pedro Amaral (à esq.) durante um dos ensaios Paulo Pimenta

Apesar de se tratar de um momento festivo o concerto não se afastou da linha orientadora da programação da Casa da Música. Neste sentido contemplou repertório clássico e contemporâneo e incluiu a estreia de uma obra encomendada ao compositor português Pedro Amaral. Mais curto do que o habitual e sem intervalo (um pouco menos de uma hora de música) o concerto iniciou com a interpretação da obra Con brio de Jörg Widmann (n. 1973), compositor e clarinetista alemão já anteriormente interpretado pela Orquestra Sinfónica da Casa da Música. Con brio, obra a que não assisti dentro da sala, é uma “abertura de concerto para orquestra” que, à semelhança de outras obras deste compositor, faz uso extensivo da técnica de citação (inclusão no discurso musical de fragmentos de obras, normalmente de outros compositores). De acordo com as notas de programa esta peça “foi escrita com o propósito explícito de dialogar com as obras sinfónicas de Beethoven”, neste sentido os fragmentos citados foram retirados da música do mestre vienense e a própria formação orquestral respeita a orquestra base do início do século XIX.

Se a obra de Widmann homenageou a música de Beethoven, no segundo momento do concerto foi a música de Beethoven a prestar homenagem, agora à Casa da Música. A obra apresentada, a abertura em dó maior Op. 124 A Consagração da Casa, foi composta em 1822 para celebrar a reabertura de um teatro vienense. O título e o carácter da obra são bastante apropriados ao concerto de celebração do 10.º aniversário de uma Casa que se afirmou como referência no panorama musical nacional e internacional, tendo contribuído de forma particularmente marcante para a dinamização da actividade musical portuense e da região norte de Portugal. Semelhante a um prelúdio e fuga para orquestra A Consagração da Casa apresenta uma primeira parte lenta e cerimonial à qual se segue uma magistral fuga em andamento vivo. A interpretação desta abertura foi bem conseguida, particularmente ao nível das mudanças de andamento e de carácter do prelúdio e também no vigor e energia empregues na execução da fuga, sublinhando o seu carácter esfuziante.

O concerto prosseguiu com a estreia de Scherzi de Pedro Amaral, obra especificamente composta para o aniversário. Scherzi demonstra a maturidade técnica e expressiva deste interessante compositor. As qualidades da obra estão patentes na escrita orquestral, colorida, equilibrada e eficaz na exploração da noção de “perspectiva auditiva” através da espacialização sonora. A inventividade e a coerência ao nível do desenvolvimento do material temático, assim como o equilíbrio formal da peça, são também aspectos a realçar. Para o ouvinte não é evidente a relação do discurso musical com o carácter jocoso implícito no título da obra (Scherzi significa brincadeiras), no entanto este torna-se perceptível nas passagens a que o compositor se refere como “jubilosas fanfarras” que aludem “à ideia de efeméride”. Scherzi é a quarta obra que a Casa da Música encomenda a Pedro Amaral que, apesar de ainda jovem (n. 1972), é um dos mais importantes compositores portugueses da actualidade.

Para finalizar a Casa da Música anunciou uma “obra surpresa para coro, solistas e orquestra”. Num concerto caracterizado pelo espírito festivo a escolha recaiu no Finale da Nona Sinfonia de Beethoven (que consiste na célebre Ode à Alegria de Friedrich Schiller) proporcionando assim uma exultante conclusão. A disposição do coro e dos solistas foi pouco ortodoxa, o coro posicionou-se num dos corredores laterais da sala Suggia ficando os solistas no camarote do lado oposto. O coro posicionou-se assim num dos corredores laterais da sala Suggia, ficando os solistas no camarote do lado oposto. Esta disposição favoreceu o desejado efeito de surpresa embora tenha dificultado o desempenho dos intérpretes numa peça de elevado grau de dificuldade. Por este motivo em algumas passagens a sincronização das partes e a afinação do coro e dos solistas ficaram aquém do desejado, apesar do esforço do empenhado maestro Takuo Yuasa que, recorrendo a gestos largos, procurou dirigir com o máximo rigor e clareza. A interpretação teve no entanto bons momentos, nos quais sobressaíram a qualidade vocal dos solistas e a capacidade expressiva do coro e da orquestra, particularmente ao nível do fraseado e da projecção sonora.

O concerto apresentou um programa equilibrado e abrangente do ponto de vista estético, incluiu música portuguesa e valorizou o ambiente de celebração que se exigia. Por isto e pelos 10 anos de existência: parabéns Casa da Música e muitos anos de vida!

 Crítica corrigida dia 13 de Abril

Sugerir correcção
Ler 2 comentários