A cidade das mil e uma noites

Uma das peças da mais recente exposição em Lisboa do artista angolano Kiluanji Kia Henda é um divertido manual de instruções de como poderemos criar o nosso Dubai particular em casa.

A mostra chama-se Miragem (inaugurou 5ª feira e estará até 29 Novembro na galeria Filomena Soares) e o referido trabalho é uma paródia que pode ter inúmeras interpretações, materializada em construções feitas com objectos quotidianos que replicam conhecidas e megalómanas obras arquitectónicas do Dubai. Lá vemos uma Palm Island feita de fósforos, o maior edifício do mundo, o Burj Khalifa, executado com latas de cerveja ou um quarto subaquático concluído com película aderente.

O homem sonha e a obra nasce. Em casa com imaginação e humor. E no Dubai com muito capital. Ali tudo parece ser possível. Aterram-se mares, aplanam-se colinas, demolem-se edifícios históricos para realizar grandes projectos urbanísticos e daí nasce o mais alto prédio do mundo, o hotel mais luxuoso e caro do planeta, o maior Centro Comercial, o maior aeroporto, uma montanha de neve artificial para esqui, inúmeras piscinas com ondas ou réplicas das pirâmides de Gizé. E assim por diante.

Com o dinheiro do petróleo o Governo dos Emirados Árabes Unidos investiu na construção de uma cidade totalmente artificial no meio das dunas, como se fosse uma Disneylândia do deserto. Mas esta cidade sempre em trânsito não foi feita para, por exemplo, economizar energia ou água. Bem pelo contrário.

O que é engraçado é que ainda não há muito tempo cidades como o Dubai eram encaradas como modelo de futuro. Hoje mais parece uma quimera neocapitalista, onde uma minoria se entrega ao jogo de idealizar o mundo à sua imagem. Desde que, claro, tenha muito dinheiro. Quer dizer: mesmo muito dinheiro.

O Dubai é uma espécie de apoteose da desregulação financeira do mundo contemporâneo. Clivagem radical, ao mesmo tempo moral e espacial, entre os muitos ricos e o resto da humanidade.

Mas não se pense que é apenas ali. O mesmo tipo de sintomas acumula-se por muitas outras metrópoles mundiais. Não é por acaso que se utiliza a expressão “dubaização”, quando se deseja identificar o tipo de fenómenos urbanísticos baseados numa arquitectura apenas interessada no seu efeito espectacular que rompe com o contexto particular de determinado território.

O Dubai é uma boa cidade para se ir quando se quer comprovar a capacidade humana de construir obras dignas das Sete Maravilhas do Mundo. Mas como as pirâmides dos Faraós, também se pode tornar apenas num símbolo de uma cidade ecologicamente insustentável no meio do deserto que será incapaz de sobreviver depois de suplantado o pico de exploração máximo dos combustíveis fósseis ou as bolhas imobiliárias.

Para uns é uma espécie de cidade das mil e uma noites e um gigantesco paraíso do faz-de-conta. Para muitos outros é simplesmente uma cidade descartável. Uma miragem.

 

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