A auto-sabotagem dos Growlers

A primeira metade do disco mostra uma banda capaz de se transformar de forma convincente. A segunda mostra uma banda a acobardar-se.

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Uma banda a fazer marcha atrás

Chegamos ao refrão da canção de despedida e Brooks Nielsen, naquele seu modo pachorrento, entoa os seguintes versos “speed living ain’t for anyone / Ain’t for me”. Os versos têm piada. É isto então o rock’n’roll, um grupo de gajos que não tem pachorra para viver no limite. Tem mais piada ainda por surgirem numa canção de rock como festa comunal e cantemos todos juntos enquanto a canção continua no seu midtempo gingão e a secção de metais dá luz à festa. Mas quando chegamos a essa que é a última canção de City Club, o quinto álbum dos Growlers, banda californiana que, por piada, inventou o termo beach goth (surf music pintada a negro, em caricatura), não conseguimos evitar uma sensação desconfortável.

Com Julian Casablancas, o vocalista dos Strokes na cadeira de produtor, e com autorização da banda para mexer os botões todos que achasse necessário, os Growlers passam metade do álbum a acelerar na estrada revelada por Chinese Fountain, o single homónimo do álbum anterior. Ou seja, do carrossel psicadélico movido a câmara lenta de outrora, onde se cruzavam Doors e marinheiros etilizados sem ambições poéticas – um grande encontro, diga-se –, saltam sem complexos para a pista de dança. A secção rítmica ganha o peso e o som saturado da década de 1980, os sintetizadores lampejam para que a viagem robótica tenha qualidade vintage e, em City club, título auto-explicativo da mudança operada, em I’ll be around, que poderiam ser os Growlers à solta na Black Ark de Lee Perry, ou na maquinal Vacant lot, que imagina o Bowie berlinense a dançar como Giorgio Moroder, recebemos de braços abertos a transformação. Os Growlers chegaram à cidade e estão prontos para tomar todos os clubes de assalto.

Inexplicavelmente, e quando nos preparamos para notificar os amigos mais próximos (e a Humanidade em geral) de que os Growlers morreram, vivam nos novos Growlers, a banda começa a travar inexplicavelmente e a preparar-se para fazer marcha atrás. Aparece When you were made e estranhamos – soa a sobra dos velhos Growlers com uns sintetizadores metidos a martelo para disfarçar. The daisy chain nem isso tenta – é só sobra mesmo. Neverending line e Too many times, por sua vez, pioram a situação –não soam a sobra dos Growlers, mas a sobra que Casablancas impingiu aos Growlers. E lá vamos andando, intrigados com este estado de coisas, até que surge Speed living para nos recordar o que podia ter sido e que, inexplicavelmente, os Growlers não quiseram que fosse.

A primeira metade do disco mostra uma banda capaz de se transformar de forma tão convincente quanto contagiante. A segunda metade mostra uma banda a acobardar-se e a tentar voltar, sem convicção, ao ponto de partida. Que raio lhes terá passado pela cabeça?

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