36 Questions, o musical em forma de podcast

Um musical que foi criado para ser um podcast? 36 Questions é isso mesmo.

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As vozes e os autores de 36 Questions durante a gravação Alison Grasso/Two-Up

Como é que se faz um musical sem palco, sem luz, sem guarda-roupa, sem dezenas de actores? Que pode ser desfrutado gratuitamente, sem ser preciso estar em Nova Iorque ou Londres e lutar para talvez conseguir comprar um bilhete de centenas ou milhares de euros? A resposta é fácil, mostra-nos 36 Questions: faz-se em formato de podcast. E nada se perde na tradução para áudio, ao contrário do que acontece com as bandas-sonoras dos musicais, porque este foi idealizado de raiz para ser só ouvido. Assim se conta, através de notas de voz deixadas no telemóvel da mulher, a história de um casal a tentar reatar a relação. Os primeiros dois actos, ambos com pouco menos de uma hora de duração, foram disponibilizados em Julho. O último, a conclusão, sai a 7 de Agosto.

36 Questions é o nome pelo qual é conhecido um ensaio de 1997 sobre uma experiência em que várias séries de 36 perguntas desenhadas para duas pessoas que não se conhecem criam diferentes tipos de proximidade – o título verdadeiro, The Experimental Generation of Interpersonal Closeness: A Procedure and Some Preliminary Findings, daria um péssimo nome para um podcast. Assinado por, entre outros, o psicólogo norte-americano Arthur Aron, o estudo é uma inspiração para o podcast.

Natalie e Jase apaixonaram-se dois anos antes de a narrativa começar, em 2009, com a ajuda das célebres 36 perguntas. Acabaram de se separar há duas semanas, quando Jase descobriu que Natalie não se chamava Natalie, mas sim Judith, e tinha inventado uma boa parte da sua existência. Judith procura Jase na casa onde este cresceu, convencida de que, se responderem às 36 perguntas outra vez, desta vez com completa honestidade, poderão reavivar a relação entre os dois. Mas será que a relação pode sobreviver à mentira original? É essa a premissa da história, contada com coração, piada e uma surpreendente profundidade.

A voz de Judith é de Jessie Shelton, cantora, violinista e actriz nova-iorquina ainda em ascensão, enquanto a de Jase é de Jonathan Groff, que foi protagonista da série Looking, é o actor principal de Mindhunter, a produção de David Fincher para o Netflix que se estreia em Outubro, fez a voz de Kristoff em Frozen – O Reino do Gelo, e tem uma carreira vibrante na Broadway, tendo feito recentemente o papel do passivo-agressivo Jorge III do Reino Unido no êxito Hamilton. Ao contrário do que é possível fazer em palco, os cantores podem multiplicar as suas próprias vozes, não havendo mais ninguém a cantar com eles.

Chris Littler e Ellen Winter escreveram, compuseram a música e dirigiram os actores do musical. A dupla pertence a uma banda de Brooklyn, a Chamber Band, que estrutura cada álbum como se fosse um musical. Entre as suas influências como músicos, nomeiam pessoas que vão do compositor de musicais Stephen Sondheim à baixista e cantora de jazz e soul Esperanza Spalding, passando por artistas como Beck e bandas como Dirty Projectors. Este projecto, contudo, é influenciado pelo indie-rock/pop dos britânicos Alt-J e do duo norte-americano Sylvan Esso, além de compositores mais convencionais, segundo o Vulture, o site da revista New York. Aqui, aliaram-se também ao sonoplasta Joel Raabe, que ajuda a preencher o universo da história para além dos diálogos e das 12 canções originais que os dois escreveram e estão disponíveis gratuitamente na plataforma Bandcamp.

Não é o primeiro. Podcasts narrativos, sejam ou não ficção, são bastantes comuns, com sucessos como Serial e S-Town, que investigam homicídios e julgamentos ou a vida de pessoas e de cidades, à cabeça, no campo da não-ficção e do jornalismo, e outros, de Limetown, que pega na forma de reportar de Serial e S-Town para criar uma história fictícia — e é da Two-Up Productions, também responsável por 36 Questions —­, a Welcome to Night Vale, que narra o dia-a-dia de uma bizarra cidade chamada Night Vale, passando por The Black List Table Reads, em que um conjunto de actores lê, ao longo de alguns episódios, um guião de um filme ainda por produzir que tenha saído na Black List, a lista que Franklin Leonard, apresentador do podcast, compila de 2005 com o que de mais excitante se escreve e não se concretiza em Hollywood.

Os musicais são uma tendência muito recente nos 13 anos que se passaram desde que o jornalista da BBC Ben Hammersley cunhou o termo podcast. Além deste, existe também, por exemplo, Wait Wait Don’t Kill Me, do final do ano passado, uma paródia musical de Serial que imaginava se tivesse sido Sarah Koenig, a apresentadora do podcast, a cometer o homicídio que está no centro da trama desse fenómeno de audiências. Mas pouco mais. Pode ser que agora comecem a aparecer mais. 

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