Star Wars: O império sempre ao ataque no rancho Skywalker

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Saga de George Lucas faz hoje 30 anos e continua a reinventar-se. Acabou no cinema, mas continua na televisão e nos videojogos. É no seu rancho que o realizador cria as personagens que já se transformaram em ícones da cultura pop. O P2 esteve lá. A Guerra das Estrelas é para sempre

Isolado no seu rancho Skywalker, escondido alguns quilómetros a norte da cidade de São Francisco, o produtor e realizador George Lucas continua a trabalhar em novas histórias de Guerra das Estrelas, com cavaleiros Jedi, piratas intergalácticos, sofisticadas naves espaciais, exércitos obedientes equipados com armaduras brancas liderados por um chefe de máscara preta...
O cenário não podia ser mais improvável: a casa de arquitectura vagamente colonial, onde Lucas mantém o seu escritório, está incrustada em colinas verdejantes onde rebanhos pastam pacificamente, voltada para um pequeno lago e uma faixa de floresta. As vinhas, provavelmente, são a referência mais directa ao universo Star Wars - e só porque a colheita exclusivíssima que delas resulta é engarrafada (pelo amigo Francis Ford Coppola) com o rótulo Caminante Del Cielo.
"Esta é uma propriedade que não reflecte tanto os filmes mas mais a personalidade de George Lucas", explica Tracy Cannobbio, a assessora de imprensa do realizador. São 30 quilómetros quadrados, resguardados de todos os olhares, comprados imediatamente depois da estreia de Star Wars, em 1977. O rancho - um working ranch com ovelhas e vacas, galinhas, cavalos e até chinchilas, como faz questão de reparar Tracy - oferece ao realizador a tranquilidade necessária para o seu trabalho criativo. "Ele é um tipo normal, muito discreto, muito simpático", garante a assessora.
Lucas, que no dia em que o P2 esteve no rancho estava em Los Angeles em reuniões, passa no mínimo três dias por semana no seu atípico escritório. Na elegante biblioteca de madeira e vitrais Arte Nova que ocupa quase metade do piso térreo da vivenda de um branco imaculado, estão em curso as pesquisas mais díspares entre milhares de volumes coleccionados pessoalmente pelo realizador: a fauna microscópica dos desertos, as armas tradicionais de uma esquecida tribo guerreira, a forma como evoluíram as bandeiras...
É assim desde a primeira Guerra das Estrelas. Na década de 1970, "Lucas imaginou uma saga de ficção-científica inspirada pelas séries do Flash Gordon, os westerns americanos clássicos, o cinema épico do autor japonês Akira Kurosawa e os heróis mitológicos", diz J.W. Rinzler, um "académico" da Guerra das Estrelas. Não é preciso ser especialmente perspicaz para apanhar as referências e influências de Lucas: os seus locais de trabalho estão repletos de posters de filmes e cartazes originais, dos mais diversos países do mundo. E a sua disposição, ao longo dos corredores, nas salas de reuniões, nas cantinas que mais parecem restaurantes de luxo, foi decidida pelo próprio.
Trinta anos de Jedi
"Os últimos 30 anos foram só o princípio", promete Tom Warner, director de marketing da Lucasfilm, a nave-mãe da galáxia empresarial criada por George Lucas por causa da Guerra das Estrelas. A saga interplanetária que se tornou a maior aventura de ficção-científica da história do cinema faz hoje 30 anos.
Foi no dia 25 de Maio de 1977 que o filme - uma fantasia espacial, uma extravagância de luz e som, um filme diferente de todos os que tinham sido produzidos até então - chegou aos cinemas americanos. A apenas 32 cinemas americanos, tal era a desconfiança inicial da produtora 20th Century Fox sobre a adesão do público ao espectáculo. "Logo na primeira sessão, quando rolou a cortina e começou aquela fantástica abertura da nave rebelde a ser perseguida pelo destroyer imperial, a audiência rebentou em gritos de espanto e entusiasmo. Percebi logo que estava a assistir a qualquer coisa de histórico", recorda Alan Ladd, que tinha contrariado a administração da Fox para garantir o financiamento do projecto.
No enorme complexo da Lucasfilms em San Francisco (construído no mesmo lugar onde durante décadas existiu um hospital militar, numa zona conhecida como o Presídio), centenas de pessoas trabalham já nas próximas aventuras da saga. Não em filme - quando terminou o Episódio III: A Vingança dos Sith Lucas considerou que estava contada a história da família Skywalker e garantiu que não voltaria a fazer mais sequelas e prequelas -, mas sob a forma de videojogos, livros, séries animadas e programas de live-action para a televisão.
"Star Wars is Forever!", garante Howard Roffman, presidente da Lucas Licensing, a empresa que gere o franchise da marca Star Wars, uma colecção infindável de produtos de consumo. "Este é um caso de entretenimento que afectou a cultura de todo o mundo, de sucessivas gerações, que resistiu ao tempo. É muito interessante ver como os pais iniciam os filhos na experiência Star Wars", diz.
A Guerra das Estrelas é para sempre. O Império não deixará de contra-atacar e os cavaleiros Jedi jamais deixarão de combater a tirania, "mas a partir de agora a história será contada através da televisão, dos videojogos, de livros de aventura", diz. "Para manter a marca, temos sempre de acrescentar novidade e frescura", completa. "Actualmente, é isso que está a motivar George Lucas", revela Roffman, "contar novas histórias através de animação gerada por computador e de séries de live-action na televisão".
Assinalando que a "convergência" é a grande "mudança" (revolução?) da indústria do entretenimento, o presidente da Lucas Arts, Jim Ward, antecipa que "está aí a chegar" uma nova geração de jogos de vídeo capazes de contar histórias de uma forma inédita: "Não de forma passiva, mas com o jogador a interagir e afectar o desenrolar da narrativa". "Estamos a trazer o cinema para o videojogo, investindo no ADN do entretenimento, que é a história e a personagem, Mais ninguém está a fazer isso", garante.
Além do conteúdo, a Lucas Arts está também a revolucionar na forma, através de uma tecnologia designada como Euforia, que permite dotar as personagens do jogo com um sistema nervoso central. Com esta espécie de "inteligência artificial", os personagens têm reacções imprevisíveis e autónomas - perante as circunstâncias do jogo, nunca cairão sempre da mesma maneira, nunca farão sempre o mesmo comentário...
Em preparação estão também duas experiências televisivas. Uma série de animação inteiramente computorizada, e uma outra com personagens de carne o osso. Quais? "Segredo", ri-se Jim Ward.
Um mito moderno
"Nunca fui a nenhum país onde não houvesse um grupo de fãs da Guerra das Estrelas", diz Howard Roffman. Hoje, Dia Universal do Jedi, milhares deles estarão no Centro de Convenções de Los Angeles para a quarta Star Wars Celebration, um mega-evento de quatro dias onde a febre da Guerra das Estrelas sobe até temperaturas impensáveis. Há palestras sobre tudo o que tenha a ver com o filme - o som, a imagem, a tecnologia, o guião, os actores. Há concursos para ver quem se consegue vestir mais fielmente como uma das milhentas personagens. Há torneios de jogos, de trivial, de perícia. Há vendas e leilões de tudo o que seja digno de colecção. "É uma experiência indescritível. Na última celebração tivemos 35 mil pessoas. Não consigo explicar como aquilo é louco e divertido."
Os milhões de fãs pelo mundo tornaram a Guerra das Estrelas no mito mais moderno da cultura popular. A Organização das Nações Unidas (ONU) já foi comparada ao Senado da República; quando enfrentou George W. Bush nas primárias para a nomeação republicana à Casa Branca, o senador John McCain demonstrava a marca da sua rebeldia, manobrando um sabre de luz e intitulando-se o Luke Skywalker da política americana.
As personagens e as situações de Star Wars são comparações recorrentes no discurso popular, imediatamente compreendidas. O que explica este fenómeno? "Pode ter alguma coisa a ver com o facto dos filmes Star Wars já terem sido vistos por mais de um mil milhões de pessoas em todo o mundo", explica o comediante norte-americano Conan O'Brien. "Ou isso, ou é uma coincidência incrível", acrescenta.
J. W. Rinzler, director executivo da Lucasfilm e autor de várias obras sobre os filmes da saga - o último dos quais, The Making of Star Wars: The Definitive Story Behind the Original Film, é lançado hoje -, não tem dúvidas em classificar a Guerra das Estrelas como "um dos maiores fenómenos da cultura pop de todos os tempos".
Para o crítico do site movies.com Lew Harris, a saga mudou a indústria cinematográfica para sempre. "Star Wars tornou-se uma mania", garante. Mais do que isso, explica, conjugou uma série de elementos "inovadores": "Inventou o fenómeno do blockbuster, criou a indústria do merchandising cinematográfico, revolucionou os efeitos especiais e mudou para sempre a expectativa das pessoas relativamente às sequelas."
E esse é, afinal, o legado da saga. "Desde 1977, a Guerra das Estrelas é o paradigma da inovação. George Lucas é verdadeiramente um visionário. Em todos os filmes, todos os produtos associados, o que ele sempre fez foi experimentar, revolucionar. Mal podemos esperar pelo que aí vem", conclui Roffman.

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