Prémio Fernando Namora para Paulo Castilho e história de família que cria fundação

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Paulo Castilho é diplomata de carreira dr

O escritor vê justiça poética em receber prémio com nome de escritor esquecido. Domínio Público também é "um livro contra o esquecimento"

Apesar de estar convencido que os escritores são as piores pessoas para falar sobre os livros, Paulo Castilho voltou ontem a folhear o seu romance, Domínio Público, porque no domingo à noite foi-lhe atribuído, por maioria, o Prémio Fernando Namora no valor de 25 mil euros.

Entre os finalistas estavam João Tordo (Anatomia dos Mártires), Ana Cristina Silva (Cartas Vermelhas), Lídia Jorge (A Noite das Mulheres Cantoras) e Dulce Maria Cardoso (O Retorno). De acordo com a acta, o júri presidido pelo poeta e escritor Vasco Graça Moura escolheu esta obra porque considerou que se trata "de um romance que propõe um olhar tão lúcido quanto irónico sobre as relações humanas na sociedade portuguesa actual" e que "a caracterização das personagens, nos seus encontros e desencontros, nas suas ilusões e expectativas, nas suas boas intenções ou até no seu cinismo, é feita em registos bem diferenciados, com agilidade e humor".

Um escritor rabujento

O livro publicado em 2011, pela D. Quixote, foi escrito por Paulo Castilho numa altura em que Portugal estava na situação de pré-troika: entre 2009 e 2010. Por isso, Domínio Público, que é o seu sétimo romance, tem uma personagem, "um escritor mal-disposto e rabugento", que faz muitos comentários e diz coisas muito negativas sobre o país, que já mostra "um certo desalento" no estado de espírito dos portugueses cuja vida já era afectada pela crise naquela altura. Este livro Domínio Público tem várias personagens que já estiveram em livros anteriores. "Elas envelhecem, têm idade, sou muito rigoroso nisso. Faço cronologias com anos e idades, não há batota nenhuma. As personagens seguem o seu curso como se fossem pessoas reais." Neste livro procurou incluir humor e ironia. "Há personagens retratadas nesse espírito que é uma maneira de olhar para as coisas. As pessoas não se levarem excessivamente a sério", diz.

A académica Maria Alzira Seixo, que fez parte do júri, escreveu no Jornal de Letras que este romance "poderia ter em subtítulo: como se faz e desfaz uma fundação". É que o livro está estruturado à volta de uma família que pretende criar uma fundação para honrar o nome do avô que morreu há pouco tempo dedicada à defesa da literatura e da língua portuguesa. "Na questão do financiamento da fundação é que as coisas se complicam", conta o escritor sem revelar mais.

Paulo Castilho aproveita este objectivo de criar a fundação para abordar no romance temas que lhe interessam. "Um dos problemas portugueses é o de tratarmos mal e esquecermos o nosso passado, tanto no domínio das letras como em outros, nomeadamente até na história", explicou ao PÚBLICO. "Esquecemos muito os escritores. Em Portugal, esquece-se tudo, um desses casos é o próprio Namora. Ganhei agora o Prémio Fernando Namora, mas o próprio Namora é pouco conhecido. A geração mais nova não faz ideia da popularidade que teve o Namora. De repente, caiu no olvido total. Toda a gente acha que está a descobrir o mundo e, portanto, como dizia um pensador americano, estamos condenados a repetir o passado."

O escritor vê "uma certa justiça poética" em lhe ter sido atribuído um prémio com o nome de um escritor esquecido, e desconhecido para as novas gerações, pois vê Domínio Público como "um livro contra o esquecimento".

"Não falo de Fernando Namora no livro, mas falo de Teixeira Gomes, que está editado mas ninguém liga, ninguém sabe quem é, mas é um grande escritor. Achei curioso e importante receber este prémio até por causa disso. E tem um júri prestigiadíssimo e, para quem escreve, é sempre altamente reconfortante ter reconhecimento", concluiu.

O escritor, diplomata de carreira, foi embaixador de Portugal na Suécia, no Conselho da Europa e na Irlanda. Diz que, quando se vive em contacto com outras culturas, fica-se com pontos de vista diferentes sobre as coisas embora nunca se deixe de ser aquilo que se é: "No meu caso, de ser português". Regressou a Portugal: "Estou reformado, já. Faço parte desse número crescente de pensionistas que representam um encargo para o erário público em que aparentemente ninguém pensou ao longo dos anos. Enfim, mas isso é outra história."

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