O dia mais feliz do Indie

Dois dos grandes filmes do Indie 2009 passam hoje a concurso:
o americano Ballast e o romeno
The Happiest Girl in the World

a Dá vontade de desejar que o resto da competição seja toda assim. Infelizmente, não é - dois dos três grandes filmes da selecção a concurso 2009 do IndieLisboa ficam já exibidos hoje. E entre eles está o melhor de todos: o assombroso Ballast, uma das mais espantosas primeiras obras que vimos em muito tempo, que chega a Lisboa com um ano de atraso (é de 2007, fez parte da selecção oficial de Berlim em 2008). Espécie de bloco audiovisual de granito pacientemente talhado à mão, rodado inteiramente com luz natural em película de 35mm com um elenco de não- profissionais, Ballast deixa-nos cair sem aviso no meio de um triângulo familiar alargado (um irmão, uma ex-mulher, um filho) que um suicídio inesperado força a uma coexistência desconfortável. Tinha tudo para ser um qualquer drama urbano familiar, mas tudo se passa nos confins do delta do Mississípi, longe de tudo, e Hammer recusa facilidades, obriga-nos a sentir na carne a dureza deste quotidiano, o modo como a necessidade de continuar a viver acaba, com o tempo, por levar a uma espécie de trégua, como o fim de algo pode afinal ser o princípio de outra coisa qualquer. Denso, taciturno, atmosférico, Ballast é um objecto de uma maturidade extraordinária que filtra a sensibilidade do cinema de autor europeu por um prisma americano.
Face à singularidade telúrica de Ballast tudo empalidece um pouco, sobretudo quando os outros filmes do dia transportam marcas evidentes das suas cinematografias de origem. O cinema argentino é um cinema descentrado e social, atento às diferenças de classe, à divisão cidade/campo? O cinema romeno parece ter-se especializado no olhar irónico, satírico, sobre um passado traumatizante e sobre um presente aspiracional? Tanto Una Semana Solos, da argentina Celina Murga, como The Happiest Girl in the World, do romeno Radu Jude, se conformam a esses estereótipos nacionais, mas sabem também construir uma voz própria dentro deles.
Murga arranca com uma vibração estranha, uma sensação de universo fechado, doentio, seguindo meia dúzia de miúdos de boas famílias deixados sozinhos no que parece ser uma estância de férias. Depois, a realizadora foge dessa indefinição (a estância de férias é um condomínio privado, os pais estão de viagem) e o que sugeria um filme fantástico, malsão, transforma-se com a chegada do irmão da empregada numa cena da luta de classes que esvazia a intriga inicial e percorre trilhos mais convencionais.
Novos romenos
Já Radu Jude se inscreve na sátira sociopolítica seca que nos habituámos a esperar dos novos romenos: a sua "rapariga mais feliz do mundo" é uma adolescente que ganhou um concurso e vai a Bucareste participar num anúncio televisivo e receber o carro que lhe saiu em prémio. Mas confronta-se com o provincianismo dos pais, que querem vender o carro para investir o dinheiro num esquema turístico, e com o cosmopolitismo snobe do pessoal do anúncio, e com a mesquinhez de todos. Delia é uma espécie de símbolo da Roménia contemporânea (mas não só), obrigada a escolher o seu caminho pelo meio de um país prisioneiro de um passado mesquinho e deslumbrado por um futuro global, e o filme de Jude é uma divertida comédia do desconforto, que retira muito do seu humor da meticulosa atenção aos detalhes. The Happiest Girl in the World é estreia bem auspiciosa que prova como o cinema romeno ainda tem coisas para nos dizer.

IndieLisboa - Competição internacional

Una Semana Solos (Argentina, 2008), de Celina Murga: Londres 1, hoje às 15h45 e domingo 26 às 18h30.Ballast (EUA, 2007), de Lance Hammer: Cinema City Classic Alvalade 3, hoje e sexta 1 às 18h15 e segunda 27 às 21h45.
The Happiest Girl in the World (Roménia/Holanda, 2009), de Radu Jude: Londres 1, hoje às 24h e sexta 1 às 21h45.

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