O cinema português conta histórias no festival

A ficção é a realidade, na competição nacional. Hoje vai haver prémios em Vila do Conde

a Houve muitos anos assim: a competição nacional chegava ao festival e era um anti-clímax (o fim da festa tal como conhecíamos as Curtas Vila do Conde). No ano passado a competição nacional chegou ao festival e foi a festa: Rapace, de João Nicolau, teve tudo a que tinha direito (o céu do Grande Prémio de Vila do Conde foi o limite), e agora espera-se este mundo e o outro dos filmes portugueses a concurso. Não houve nenhum acontecimento tipo Rapace nas duas primeiras sessões desta edição (à hora de fecho desta edição, faltava ver as curtas de João Pedro Rodrigues, Jeanne Waltz, José Maria Vaz da Silva e João Rodrigues), mas houve este acontecimento: o cinema português conta histórias em Vila do Conde (quase sempre em primeira mão). A ficção é a realidade da competição nacional no 15º Curtas Vila do Conde: um documentário (Alexandrino, de João Rodrigues, que só passou ontem depois da meia-noite), uma animação (Ossudo, que Júlio Alves realizou, algo folcloricamente, a partir de um conto de Mia Couto), um filme experimental (Lost in Art - Looking for Wittgenstein, on the road de Luís Alves de Matos e João Louro pela América com Marinett, Robert Mitchum, Joseph Cotten e George W. Bush em voz off) e nove ficções. Conta o tamanho e conta esse gesto de querer construir narrativas mesmo que essas narrativas sejam tão evasivas como Intérieur sur Fond, de Miguel Machado, que constrói acima de tudo uma geografia da espera. Só houve outro filme português mais gráfico: Lianor, de Edgar Feldman e Bruno Bravo, ecrã branco (são eles que dizem: quanto menos se tem, menos se tem a perder, e este vazio tanto pode ser o além como pode ser o Messenger) com duas personagens que talvez tenham de morrer para que possam encontrar-se. É possível que estejamos a ver fantasmas, mas sim, vemos aqui o fantasma de Rapace, outro filme em que havia um fundo branco e diálogos desconcertantes (estes são de Miguel Castro Caldas, dramaturgo da Primeiros Sintomas, a companhia de Bruno Bravo). Era uma coisa que se imaginava possível no ano passado: haver um antes e depois do filme de João Nicolau, em Vila do Conde.
Filipe Martins (Dido e Eneias), Pedro Caldas (Europa 2007) e Gonçalo Galvão Teles (Antes de Amanhã) também contaram histórias em Vila do Conde, mas aqui houve mais realismo e menos artifício, apesar da mitologia: estes são filmes em que as personagens (sem-abrigo, taxistas, prostitutas, clientes, angariadores, imigrantes de Leste, funcionários do Partido Comunista, agentes da PIDE) são gente de cá.
Hoje é o dia em que o o júri do festival - o crítico e curador Delfim Sardo, o cineasta Christoph Girardet e o chefe de redacção da Les Inrockuptibles Jean Marc Lalanne - toma decisões sobre a competição (e também o dia em que vamos ver o que David Lynch andava a fazer antes de fazer longas-metragens: pequenos filmes gore, entre muitas outras coisas que julgávamos impraticáveis). Há alguns anos que não parecia tão difícil antecipar o desfecho do Curtas Vila do Conde.

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