Morreu o escritor Orlando da Costa

Fez a ponte literária entre Goa e Lisboa do primeiro ao último romance, mas foi também uma referência da militância comunista e da resistência ao salazarismo

Foi um escritor "elegante" - dos mais elegantes que Zeferino Coelho, o seu último editor, e Urbano Tavares Rodrigues, "amigo de toda a vida", se lembram de ter conhecido -, mas também foi outras coisas relevantes para a literatura portuguesa do século XX: a ponte literária entre Goa, a cidade onde viveu até 1947, e Lisboa, a cidade onde fez tudo o resto, e uma das últimas reservas morais do segundo neo-realismo. Orlando da Costa (1929-2006) tinha 76 anos quando morreu, ontem, vítima de doença prolongada. O funeral segue hoje, às 18h00, da Basílica da Estrela para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa, onde o corpo do escritor será cremado.Natural de Lourenço Marques (actual Maputo), Moçambique, Orlando da Costa passou a infância e a juventude em Margão (Goa) e foi na Índia portuguesa que recolheu grande parte dos materiais que mais profundamente marcaram a sua produção literária: descendente de uma família goesa católica e abastada, começou a escrever (poesia) aos 15 anos, por incentivo de um professor do liceu, e continuou a fazê-lo em Lisboa, onde se instalou em 1947 para cursar Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras. Três anos depois estava a publicar o seu primeiro livro de poesia, A Estrada e a Voz, a que se seguiriam Os Olhos sem Fronteira (1953) e Sete Odes do Canto Comum (1955). Mas foi sobretudo como romancista que ocupou um lugar muito particular na literatura portuguesa - e sobretudo na literatura indo-portuguesa.
A sua prosa, aliás, começa e acaba na Índia: de O Signo da Ira (1961) a O Último Olhar de Manú Miranda (2000), os seus primeiro e último romance, respectivamente, Orlando da Costa foi fazendo sucessivas visitas a Goa e cartografando uma espécie de geografia afectiva muito sintomática do século XX português. É, de resto, curioso que o seu primeiro romance tenha sido publicado exactamente no ano em que o exército indiano invadiu Goa, Damão e Diu - em certo sentido, O Signo da Ira (prémio Ricardo Malheiro da Academia das Ciências de Lisboa) foi uma despedida simbólica.
Na vida real, Orlando da Costa nunca perdeu o contacto com Goa - e foi, sobretudo, um convicto simpatizante de todos os movimentos independentistas, cuja gestação acompanhou muito de perto na Casa dos Estudantes do Império, onde conviveu com personagens carismáticas como Agostinho Neto e Amílcar Cabral: "O Orlando manteve até muito recentemente essa ligação com esse mundo muito particular dos portugueses de Goa, que de resto ainda existe", disse ao PÚBLICO Zeferino Coelho, da Caminho, que editou o seu último livro, Vocações/Evocações (2004), um conjunto de poemas comemorativos dos 30 anos do 25 de Abril. "É um livro que resume muito bem o carácter da obra literária de Orlando da Costa - tanto no aspecto formal como no que diz respeito às suas temáticas e às suas preocupações. Demonstra uma poesia muito elegante, e muito humanista também", acrescenta Zeferino Coelho.
Militante do PCP desde 1954, Orlando da Costa foi também um opositor activo do regime salazarista e chegou a ser preso várias vezes pela PIDE. "Essa dimensão da militância também esteve sempre muito presente na escrita dele, porque se tratava de um compromisso social intimamente assumido. Era um escritor preocupado com o estado do mundo", sublinha ainda Zeferino Coelho. Urbano Tavares Rodrigues, que o conheceu na Casa dos Filhos do Império e foi um dos seus melhores amigos, recorda-o sobretudo nessa dupla condição de "grande resistente e grande escritor": "Era um homem muito modesto, mas escreveu livros admiráveis", nota, lembrando os seus dois romances predilectos, Podem Chamar-me Eurídice... (1964) e Os Netos de Norton (1994), mas também a produção de Orlando da Costa para o teatro (Sem Flores nem Coroas, de 1971, e A Como Estão os Cravos Hoje?, de 1984).
Orlando da Costa deixa uma obra relativamente pouco conhecida ("e que por isso mesmo vai ser para muitos uma descoberta apaixonante", acredita Urbano Tavares Rodrigues) e deixa também dois filhos: o actual ministro da Administração Interna, António Costa, e o director da SIC Notícias, Ricardo Costa.

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