Journal de France, o diário em imagens do fotojornalista Raymond Depardon

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Cineasta documental e fotógrafo, Depardon expõe e as suas origens como "homem da imagem" dr

O percurso de um dos grandes fotojornalistas franceses contado na primeira pessoa - e como uma história de amor

Ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, o fotógrafo e cineasta francês Raymond Depardon tornou-se num dos "incontornáveis" da história das imagens. Primeiro, enquanto fotojornalista e grande repórter; depois, enquanto cineasta documental, mas também como fundador da agência fotográfica Gamma, entendendo o fotógrafo como senhor de um olhar e de uma visão específicas sobre o mundo. Por isso, vindo de alguém como Raymond Depardon, um título como Journal de France - Diário de França - projecta uma ideia muito específica.

"A ideia de partida era um diário escrito com imagens," como explica ao PÚBLICO do outro lado do telefone Claudine Nougaret, cúmplice de Depardon na vida e na obra e co-autora de Journal de France. Mas nem tudo o que parece é. E este documentário, estreado no Festival de Cannes de 2012 e hoje exibido no Porto, no Rivoli, na Festa do Cinema Francês, mais do que um simples "diário" do percurso de Depardon, vira a câmara para o próprio fotógrafo. Cruza documentos inéditos do seu arquivo (com excertos das suas passagens pela República Centro-Africana durante a eleição de Bokassa, por Praga na invasão russa da Checoslováquia ou pela guerra civil nigeriana no Biafra) com uma reconstituição da sua viagem fotográfica pela França, com o próprio Depardon a falar do seu método e da sua técnica face à câmara.

Claudine Nougaret, há 30 anos com Depardon, explica que o projecto nasceu da vontade do fotógrafo de regressar ao material em arquivo, mas também do desejo de explicar o que o levou a ser "um homem da imagem". "Era de facto a nossa intenção explorar o olhar do autor, a liberdade criativa," diz. "Mas começaram a surgir outras perguntas: como transmitir às novas gerações as nossas técnicas de fazer filmes? No fundo, tornou-se um filme de transmissão. Através do retorno aos arquivos, é como se o Raymond tivesse decidido mostrar o modo como se formou enquanto fotógrafo."

Que não se confunda Journal de France, contudo, com uma master class filmada. Nougaret ri-se com a ideia. "Não somos muito dados às master classes! Trabalhamos melhor através da imagem e do som, à nossa maneira. É verdade que hoje a câmara digital mudou muito os dados: a abordagem já não pode ser a mesma. Temos a sorte de ter feito um percurso em comum - ele à câmara, eu no som - que acaba por ser bastante original."

Journal de France evoluiu para um documentário "de criação", misturando imagens de arquivo seleccionadas pelo fotógrafo e narradas por Nougaret, e a recriação da viagem fotográfica, rodada com uma equipa de dez pessoas. "Nunca teria sido possível fazer este filme ao vivo e em directo," explica a co-autora, "mas ao mesmo tempo não podíamos fazer uma ficção. Não queríamos fazer batota; a nossa abordagem sempre foi estar o mais próximo possível do que vemos e restituí-lo. Mas já não é possível fazer cinema directo como em filmes como Urgences [1988, sobre o quotidiano dos paramédicos parisienses]. A TV deu-nos tantas horas de transmissões em directo que já não é possível ter o mesmo olhar enquanto espectadores".

O que acabou também por ser uma surpresa foi que Journal de France tenha acabado por se tornar num "filme de amor", como define Nougaret. O momento em que o fotógrafo e a engenheira de som se conheceram - nas rodagens de O Raio Verde, de Éric Rohmer, em 1983 - é a única referência no filme à cumplicidade do casal, através de brevíssimos excertos de filmes caseiros rodados nesse período (e a única aparição de Nougaret no filme). "É um filme de trocas e partilhas, de momentos raros e de graça. E é muito raro ver um filme feito deste modo por um homem e uma mulher, com respeito pelo trabalho do outro. Costuma haver dois irmãos ou duas irmãs que filmam juntos, mas não há muitos casais."

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